domingo, 7 de abril de 2013





terça-feira, 28 de junho de 2011

SONETO II

Quero o cetro de algum morto profeta,
quero o pó das velhas gavetas,
os chinelos de madrastas bregas
e ordenhar o Signo das Tetas,
um quebranto numas mesas velhas,
dois sofrer e à boca uma chupeta
sobre a pele do que não atesta
do que à bunda foram-me bochechas.
Sem querer da vida o amargo verme,
da tua boca o que não mais me serve,
da tua lembrança algum novo sofrer,
um querer-me sem o que foi meu
na função do mesmo eterno Deus
na crendice às vezes que não crer.

(Anderson Costa)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Adélia Prado- Parte 6


O VESTIDO


No armário do meu quarto escondo de tempo e traça
meu vestido estampado em fundo preto.
É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas
à ponta de longas hastes delicadas.
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,
meu vestido de amante.
Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.
É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada:
eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão.
De tempo e traça meu vestido me guarda.



(Adélia Prado)

Adélia Prado-Parte 5


FATAL

"Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso."



(Adélia Prado)

Adélia Prado- Parte 4


Neurolingüistíca


Quando ele me disse
ô linda,
pareces uma rainha,
fui ao cúmice do ápice
mas segurei meu desmaio.
Aos sessenta anos de idade,
vinte de casta viuvez,
quero estar bem acordada,
caso ele fale outra vez.


(Adélia Prado)

Adélia Prado-Parte 3


ENSINAMENTO

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

(Adélia Prado)

Adélia Prado-parte 2


COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa me casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos - dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

(Adélia Prado)