sábado, 29 de janeiro de 2011

Entrelinhas - Patativa do Assaré.





ABC do Nordeste Flagelado

A — Ai, como é duro viver
nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando... sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,
vem da montanha um agouro
de gargalhada e de choro
da feia e triste cauã:
um bando de ribançã
pelo espaço a se perder,
pra de fome não morrer,
vai atrás de outro lugar,
e ali só há de voltar,
um dia, quando chover.

E — Em tudo se vê mudança
quem repara vê até
que o camaleão que é
verde da cor da esperança,
com o flagelo que avança,
muda logo de feição.
O verde camaleão
perde a sua cor bonita
fica de forma esquisita
que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta
o bonito sabiá,
quando flagelo não há
cantando se manifesta.
Durante o inverno faz festa
gorjeando por esporte,
mas não chovendo é sem sorte,
fica sem graça e calado
o cantor mais afamado
dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta
e dali desaparece,
o sabiá só parece
que com a seca se encanta.
Se outro pássaro canta,
o coitado não responde;
ele vai não sei pra onde,
pois quando o inverno não vem
com o desgosto que tem
o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau
de lá de dentro das grotas,
manda suas feias notas
o tristonho bacurau.
Canta o João corta-pau
o seu poema funério,
é muito triste o mistério
de uma seca no sertão;
a gente tem impressão
que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor,
a gente sente fugir,
tudo parece carpir
tristeza, saudade e dor.
Nas horas de mais calor,
se escuta pra todo lado
o toque desafinado
da gaita da seriema
acompanhando o cinema
no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça
dos animais do Nordeste;
com a seca vem a peste
e a vida fica sem graça.
Quanto mais dia se passa
mais a dor se multiplica;
a mata que já foi rica,
de tristeza geme e chora.
Preciso dizer agora
o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado
o coitado camponês
porque tanto esforço fez,
mas não lucrou seu roçado.
Num banco velho, sentado,
olhando o filho inocente
e a mulher bem paciente,
cozinha lá no fogão
o derradeiro feijão
que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira,
diz ele, vamos embora,
e depressa, sem demora
vende a sua cartucheira.
Vende a faca, a roçadeira,
machado, foice e facão;
vende a pobre habitação,
galinha, cabra e suíno
e viajam sem destino
em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte
sai aquela pobre gente,
agüentando paciente
o rigor da triste sorte.
Levando a saudade forte
de seu povo e seu lugar,
sem um nem outro falar,
vão pensando em sua vida,
deixando a terra querida,
para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião
de deixar mãe, deixar pai,
porém para o Sul não vai,
procura outra direção.
Vai bater no Maranhão
onde nunca falta inverno;
outro com grande consterno
deixa o casebre e a mobília
e leva a sua família
pra construção do governo.

P - Porém lá na construção,
o seu viver é grosseiro
trabalhando o dia inteiro
de picareta na mão.
Pra sua manutenção
chegando dia marcado
em vez do seu ordenado
dentro da repartição,
recebe triste ração,
farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento,
quando há seca no sertão,
procura uma construção
e entra no fornecimento.
Pois, dentro dele o alimento
que o pobre tem a comer,
a barriga pode encher,
porém falta a substância,
e com esta circunstância,
começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente
fica a pobre criatura
e a boca da sepultura
vai engolindo o inocente.
Meu Jesus! Meu Pai Clemente,
que da humanidade é dono,
desça de seu alto trono,
da sua corte celeste
e venha ver seu Nordeste
como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro
sofre o velho, sofre o moço,
não tem janta, nem almoço,
não tem roupa nem dinheiro.
Também sofre o fazendeiro
que de rico perde o nome,
o desgosto lhe consome,
vendo o urubu esfomeado,
puxando a pele do gado
que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste
este fardo tão pesado,
no Nordeste flagelado
em tudo a tristeza existe.
Mas a tristeza mais triste
que faz tudo entristecer,
é a mãe chorosa, a gemer,
lágrimas dos olhos correndo,
vendo seu filho dizendo:
mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar
quem for reparar de perto
aquele mundo deserto,
dá vontade de chorar.
Ali só fica a teimar
o juazeiro copado,
o resto é tudo pelado
da chapada ao tabuleiro
onde o famoso vaqueiro
cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato,
a abelha zumbindo voa,
sem direção, sempre à toa,
por causa do desacato.
À procura de um regato,
de um jardim ou de um pomar
sem um momento parar,
vagando constantemente,
sem encontrar, a inocente,
uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora
na grande árvore copada,
vendo a floresta arrasada,
bate as asas, vai embora.
Somente o saguim demora,
pulando a fazer careta;
na mata tingida e preta,
tudo é aflição e pranto;
só por milagre de um santo,
se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão
dardeja o sol inclemente,
cada dia mais ardente
tostando a face do chão.
E, mostrando compaixão
lá do infinito estrelado,
pura, limpa, sem pecado
de noite a lua derrama
um banho de luz no drama
do Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei
aquilo que observei;
tenho certeza que dei
aprovada relação.
Tudo é tristeza e amargura,
indigência e desventura.
— Veja, leitor, quanto é dura
a seca no meu sertão.


(Patativa do Assaré)

Uma verdade gritante

Me pegue, se gosta de mim

E se assim não for, apague

O que sobrou daquele sim

Que respondia sua proposta

Como a verdade imposta.



Se estiver satisfeita com amor

Não me deixe a desfeita de ir-se

Sem ter sequer motivo ou ardor

Que incomode sua pessoa para se

Levar pela verdade imposta.



Sei enfim que encontrará

Aqui perto ou no recanto do estudo,

Acolá ou em qualquer outro lugar,

Um merecedor que certamente fará

De seu peito inflado em escudo,

Proteção para uma paixão de altar,

E se dele você me dizer que gosta

Eu deixo você pela verdade imposta.

(Ivan Lantyer Neto)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Os três mosqueteiros

Somos os três mosqueteiros,
Aventurando-se pela noite,
O nosso peito flamejante,
Sempre a sentir um calvário.

É que realmente não temos nada,
Tem hora quão estamos estafantes,
De procurar um eterno deleite,
E andar pelas mesmas veredas.

Mas não somos os três mosqueteiros?
Esse ano tem tudo para ser diferente,
Um pouco mais proeminente,
Só temos que tomar cuidado com o tédio.

Para não se perder por esses caminhos,
Um tanto quanto obscuro,
Onde o término é o monturo,
Colocando em risco todos nossos sonhos.

(Henrique)

O que pode cada um

Atraso do estudante
do professor
dos homens...

Doente todo dia
a se entregar
a se calar

Acaso do político
do lixeiro
dos safados

Cada um como aprouver...
Bem errado,
pago se eu quiser

alguém pra me tratar!

(Anorkinda)

Libélula

Na plenitude de um olhar, as palavras mudas
Formavam uma agradável canção aos ouvidos
Deusa de candura e luz
Enquanto os braços se envolviam na agitação
Logo, os lábios se uniram em uma química
Superior a de qualquer vaga teoria,
Pois aquelas duas matérias tinham uma
Reação única, complexa, inexplicável.


Em princípios de um amor
Era o despertar de mero sonho acordado,
Perfeito e repleto de sombras de belas ilusões!
No peito, faz manifestação
Uma sensação de agonia quando distante
De conforto quando se aproxima:
Adormeço desabitado
Com o paladar do acerbo passado
E pela janela me entristeço
Ao olhar o falso brilho do luar
E saber que a sombria libélula
Como a pluma no vento paira e desaparece.


Céus e estrelas, crepúsculo enfeitiçado
Por sobre nuvens afáveis, um último suspiro:
Que os olhos sejam como a alvorada da primavera
E que os corações conservem o fogo do entusiasmo
Cresça o sublime sentimento do instante
E se torne imortal como o inexplicável sonho carente
De te abraçar em meio à plenitude e inquietação
De te desejar a cada passo incerto que transpor
Uma vez que te amar componha a maior verdade.

(Davi Fernandes)

VIVO E VIVA

Despe-te do teu luto
Pois, pelo que está vivo
Ainda luto até o sangue

Tira a tarja negra
Já que o coração pulsa
E meu pulso é forte na lida
Até a última gota de suor

Acenda a vela
Pra espantar o breu
Porque o amor ainda respira
O carinho corre nas veias
É por aquilo que se nega
Que oferto toda minha lágrima

Janete do Carmo
061210

Ode ao Sol, uma paixão pelos seus raios

Dia de sol deixa seu lume

Traga amanha sem tardança

Outro perfume de esperança

Que acorde a me alumiar!



Faça valer toda as chances

Que dei ao teu louco coração

Não estou para esses lances,

O povo vai na contra-mão!



Deixe comigo os seus raios

Fique mais leve pra dançar

Cante e encante os lacaios



Se entregue a me queimar,

Pois sei de todo o seu louvor

Ornamento raro de um amor.

(Ivan Lantyer Neto )

╰☆╮ Janete╰☆╮ Não Mora Mais Aqui

.
... agora você, de certa forma
tornou-se igual a Alice,
não a que desceu ao inferno
e o apreciou
tanto que o denominou
de "O País das Maravilhas", mas a outra
aquela que quando os credores
perguntavam por ela, os senhorios
respondiam: "... não mora mais aqui".

Hoje, Janete, seria seu aniversário,
porém, aí onde você, imaterial,
passou a morar para sempre,
tempo não há, e, portanto,
não se comemora níver
uma vez que alma,
quer penada, quer redimida
não nasce: alma Deus fabrica...


(José Lindomar Cabral)

sábado, 15 de janeiro de 2011

Entrevista com Mário Quintana em 1988 (Em duas partes)

PRIMEIRA PARTE

Os anos são apenas linhas imaginárias. E as pessoas é que devem decretar quando estão na flor da idade, disse o poeta Mário Quintana, ao fazer 82 anos em 30 de julho de 88. Nesta entrevista, feita na épca, ele não comemora a idade - fala de política, religião, literatura, esperança. E, sem medo da morte, comemora o próprio vigor, anunciando novas obras, entre elas quatro livros infantis.

Por HERMES RODRIGUES NERY

Tenha-se em mente que o que é notável na obra do poeta gaúcho Mário Quintana- que hoje completa 82 anos de idade -é a recusa de uma visão amarga do mundo. Em sua poesia não existem neuroses, a esperança é o seu leit motiv. Nele próprio, nascido em Alegrete e morador quase toda a vida em Porto Alegre, tudo é solto, descontraído, informal. O que faz sua obra ser admirada por pessoas de qualquer idade, e o homem ser cercado de carinho até por pessoas que talvez nem o conheçam. Esse carinho por Mário Quintana percebi assim que cheguei a Porto Alegre para entrevistá-lo. Pouco antes, comprei-lhe uma caixa de bombons, e a confecção do presente foi disputada pelas duas vendedoras do supermercado. "É para o Quintana!", repetiam emocionadas. Carinho também distribuído diariamente pelas três mulheres que cuidam diariamente do poeta, a secretária Mara, a sobrinha Elena, Sandra. "Não me casei, mas arrumei essas três moças que me dão um trabalho danado", brincou Quintana, apresentando-as.




O senhor crê na reencarnação? — Pois eu não sei, sabe? Eu acho felizes os que têm crenças religiosas. Acontece que eu só tenho dúvidas religiosas. O que vai se fazer, né?

O que o sr. acha do fanatismo? — O fanatismo é incompatível com a inteligência.

Como o sr. vê São Francisco de Assis? — São Francisco de Assis? Irmão isso... irmão aquilo? Ah... mas ele só gostava dos bichinhos bonitinhos. Porque ele não falou dos irmãos vermes que pululam às cargas, em outras coisas horrorosas? Na irmãzinha aranha... na irmãzinha jararaca... Só falou nas coisas bonitinhas. Ah, não...

Voltando ao seu trabalho, o senhor recebeu algum incentivo familiar em relação à sua vocação de poeta? — Ah... muito. O meu irmão Milton e minha irmã Marieta, que eram os meus irmãos mais velhos, eles gostavam muito de poesia, colecionavam poesias, leram os meus primeiros poemas, me ajudaram a escolher coisas para o meu primeiro livro, enfim, minha família me ajudou muito.

Como foi seu primeiro contato com a poesia? — Eu acho que a gente nasce com isso. Lá pelas tantas eu comecei a fazer uma coisa que julgava que era um poema. Com o tempo eles foram ficando poemas mesmo.


Na sua opinião, foi bom que as escolas literárias tivessem acabado? — Mas é claro... embarcar numa escola literária é o mesmo que entrar num mesmo barco. Quando o barco afunda, vai todo mundo pra cova.

 Há na capa de um de seus livros um retrato de um quadro de Vincent van Gogh. Como vê a obra deste pintor?
— É o meu pintor predileto. Não preciso explicar o que é que eu sinto... com certeza há alguma coisa dele em mim, e alguma coisa de mim nele. O amor não se explica.

A televisão contribuiu para que as pessoas lessem menos? — Contribuiu. E acho uma coisa horrível, porque antes a gente não tinha o que fazer e lia, não é?... agora todo mundo está olhando novela na tevê. Eu, por exemplo, tenho o máximo de cuidado de não telefonar para as donas de casa na hora da novela...

Dentro do pensamento brasileiro, como vê Alceu Amoroso Lima? — O Alceu Amoroso Lima, antes de tudo, era o meu grande amigo e falo também no Gilberto Freyre. Acho dois velhos admiráveis. Eu desejaria ser um velho como eles... velhos que estão sempre presentes na vida atual, sempre estiveram presentesŠ eles são sempre contemporâneos.

Neste ano do centenário da abolição, como vê o preconceito na mentalidade e atitude do nosso povo? — Eu nunca tive preconceito. E para todos nós, pelo menos na minha geração, tem uma negra velha que nos contava estórias, que nos ajudou a criar, de maneira que todos nós tivemos uma mãe preta... pelo menos na minha geração...

Eu queria fazer uma última pergunta. Como o senhor vê essa ausência de ideais que tanto caracteriza a atual geração? — Mas eu acho que notar a ausência de ideais — é um sinal de que não está tudo morto, não é? Se não, não se notaria nada...


SEGUNDA PARTE


Sem medo da morte, Mário Quintana comemora o próprio vigor, anunciando novas obras, entre elas quatro livros infantis.


Por HERMES RODRIGUES NERY

E o que me diz da esperança? — A esperança? Olha...eu sempre digo uma coisa, que o primeiro ditado está errado. O ditado diz que, enquanto há vida, há esperança. Eu digo que enquanto há esperança há vida. Porque nunca foi encontrada em nenhuma parte do mundo, num bolso de um suicida, um bilhete de loteria que fosse correr no dia seguinte. Ele esperaria, ao menos, para comprar o revólver de ouro.

Já que falou em suicídio, o que leva muitos artistas ao suicídio? O que o sr. pensa sobre o suicídio? — Eu não posso dizer, porque eu nunca tive coragem de me matar.

Mas alguma vez pensou em se matar? — A gente sempre pensa em se matar, mas não se mata. Eu tenho notado que os que pensam ou os que falam em se matar, nunca se matam. Os suicidas que eu conheci nunca falaram em se matar. Para mim foi sempre a maior surpresa. O que se há de fazer?


Santa Tereza D'Ávila alertou-deveríamos tomar cuidado ao tentarmos nos livrar de nossos demônios para que não perdêssemos, junto com eles, os nossos anjos... — Esta é muito boa da Santa Tereza. Esta eu não conhecia.

O ideal, continua ela, é aprender a dominá-los e a conviver com eles. O que o sr. pensa a respeito disso? — Pra não perdê-los todos? Bem... Vamos botar isso nos planos, digamos da nossa mitologia atual. É o caso do dr. Jekill e Mr. Hyde, não é? "O Médico e o Monstro", quer dizer, o doutor Jekill... o meu doutor Jekill convive perfeitamente com o meu Mr. Hyde. Um não é inimigo do outro, como naquela história.


Como se dá este convívio? — Como conviviam? Ah... um tinha raiva do outro. O doutor Jekill odiava o Mr. Hyde. Já o meu doutor Jekill e o meu Mr. Hyde são amigos. Aí e que está a coisa assustadora... Eles são amigos. Vão pra farra juntos. Você viu o que é que eles fazem? Não compreendo bem, mas é isto. Não há esta luta propriamente. O que há nesta convivência é a aceitação um do outro.

A felicidade, talvez? Dizem que esta reside na infância, a sua foi boa? — A minha infância foi muito boa. No tempo em que eu era guri, Papai Noel ainda não tinha invadido o Brasil, quem botava as coisas no sapato da gente, no Dia de Reis, era o Menino Jesus. Os acontecimentos felizes da minha infância? Três sapatinhos... Os infelizes? Eu não sei, eu sempre digo que é o adulto que inventa a infância, e a invenção é que é feliz, a infância em si não pode ser tão boa.

E quando se fala em ser sempre criança? — Mas é preciso não perder nunca a criança que se tem dentro de si.


Este é o ideal? — É. A gente deve sempre conservar aquela disponibilidade, aquela curiosidade pela vida que as crianças têm. Um adulto que se 'adultiza' demais... bah! Não tem curiosidade, não tem aceitação para tudo que as crianças têm. E, antes de tudo, a curiosidade: o mais triste da vida é alguém perder a curiosidade pela própria vida.

O senhor foi um menino tímido, travesso, um 'enfant terrible?' — Sempre fui um menino tímido, algumas travessuras-mas é melhor não aprofundar os aspectos negativos... Fui um menino muito doente, a única coisa que eu fazia era, quando me confessava, inventar pecados para contentar o padre confessor.

E a escola? — Olha, para mim as crianças até os sete anos são muito inteligentes; depois, os professores, em vez de transformar as crianças em bons adultos, ao invés de 'adultizar', adulteram-nas, sabe como é? Estragam tudo.

Não é uma boa instituição, deveria desaparecer? — E claro que ela deve existir, a gente não deve deixar crescer um ser livremente, é capaz de virar tudo bandido.

O senhor traduziu Proust, Voltaire. Como foi seu contato inicial com a língua francesa? — Minha mãe lecionava francês, aprendi com meus pais, naquele tempo todo mundo falava francês, fazia parte da educação das moças: estudar piano, estudar pintura e falar francês. Acho uma coisa muito engraçada. Eu me lembro que, quando houve uma revolução lá em Alegrete, foi feita quase toda em francês — as senhoras iam visitar as madames e se comunicavam em francês para os criados não saberem o que é que se estava tramando.

Francês e Latim saíram do currículo das escolas. Isso empobrece culturalmente o aluno de hoje? — O latim nunca fez parte do meu currículo-eu fui educado no Colégio Militar de Porto Alegre, uma escola fundada pelos militares que eram positivistas e não queriam saber de nada que cheirasse a padre... Mas retirar o francês foi a maior injustiça, o francês era o veículo literário do mundo naquele tempo, e até há pouco tempo. E nós devemos muito ao conde de Belchior de Vogué, que traduziu os russos-se os russos não tivessem sido traduzidos para o francês nós desconheceríamos Dostoiévski até hoje. O que é desconhecer uma terça parte da alma humana. Porque a alma humana está dividida em três partes, uma em Shakespeare, outra na Bíblia, outra em Dostoiévski. Pelo menos para mim.

 Dentre os poetas franceses quais os que mais admira? — A gente sempre admira o que mais se parece com a gente, não é? O que mais se parece comigo ou com quem mais eu me pareço foi Guilhaume Appollinaire, e outro que a gente não pode deixar de admirar é o mestre dos simbolistas, o Verlaine. Os outros são discípulos, seguidores, continuadores...

Como tradutor, como vê esta profissão? — Eu acho uma coisa de grande responsabilidade. Porque eu creio que a tradução de um poeta para a nossa língua é nada mais, nada menos, que a estréia deste poeta na literatura brasileira. De maneira que é uma enorme responsabilidade. Olha que eu traduzi Proust e que não é brinquedo. E traduzi Voltaire, traduzi Merimée, traduzi esta gente assim.

E como foi traduzir Proust? — Foi uma coisa horrível. Mas eu gostei, exatamente por causa da dificuldade. A dificuldade é uma coisa que pode cansar, mas é o mesmo que a ginástica, faz bem.

Mudando de assunto, dizem que o cigarro faz mal. O que o sr. com 82 anos, e que sempre fumou, diz deste saber popular? — O cigarro não faz mal nenhum. Eu digo por conta própria. Porque eu comecei a fumar aos 14 anos e até os 81 não tinha morrido, tá? Acontece que aos 81 anos eu estava muito magro, eu estava com o esqueleto do lado de fora, sabe como é?... Contava as costelas, então, por uma medida de precaução, para não embarcar tão cedo, eu deixei de fumar. E me dou muito bem não fumando. De maneira que o cigarro...(pausa)...ah ...há gente que chegou aos 90 anos tendo fumado toda a vida e gente que morre aos 90 anos e nunca fumou. A coisa é muito relativa.

Conte-nos de sua viagem ao Rio de Janeiro, aos 24 anos, quando passou seis meses como voluntário no 7º Batalhão de Caçadores. — Eu passei lá seis meses, lá pelas tantas pedi demissão. Passei seis meses me divertindo...me divertindo muito...

Qual sistema de governo mais lhe agrada? — Eu sempre fui monarquista.

Recentemente houve uma discussão na Constituinte em torno da possibilidade de retorno da Monarquia no Brasil... — Mas haverá antes um plebiscito...

Qual a vantagem que vê na monarquia? — Os eleitores estão cansados de tantos quatriênios desperdiçados. O primeiro ano do quatriênio é em acomodações políticas, e o último ano do quatriênio é em outros ajeitamentos políticos. De maneira que só sobram dois e não dá pra fazer nada. Já vi revoluções no Brasil que na metade da luta o governo acabava aderindo, quer dizer... fica tudo impuro. Agora, a monarquia tem o rei lá que reina, mas não governa, mas fica. Pode o primeiroministro cair, ou o povo mudar de opinião à vontade... que isso não adianta nada... fica tudo firme...

Qual o presidente da República que o senhor achou mais interessante no Brasil? — Eu sempre achei o Getúlio Vargas um grande estadista.

Como vê a era de Vargas? — O Vargas... O Getúlio Vargas fez o Estado Novo porque ele não acreditava no povo, na opinião pública... então fez o Estado Novo, mas fez também muita coisa boa... muita coisa boa, de maneira que o povo gostava dele e quando ele voltou ao governo foi pelo voto do povo, que deu um brilhante desmentido naquele que não acreditava no povo.

E o que o sr. me diz da grande guerra? — Da guerra? Mas é claro que houve um impacto da guerra. Todos nós ficamos com medo que o Hitler ganhasse, é claro... e eu, mais ainda, porque devido a minha vasta cultura francesa, eu sei pouco de geografia. Quando invadiram Pearl Harbour, eu pensei que Pearl Harbour ficasse no Atlântico e fiquei assustado, e pensei: estamos perdidos. Depois eu soube que ficava do outro lado do mundo, lá no Oceano Pacífico (ri).

Como sente uma verdadeira amizade e um verdadeiro sentimento de amor? — Olha... eu acho que a amizade é uma espécie de amor que nunca morre... e o amor é uma coisa que todo mundo sente, todo mundo tem... é uma das molas da vida, independente da sua realização. Basta estar amando. Afinal de contas, eu acho que há duas molas na vida: o amor e o ódio. E preciso estar sempre amando alguma coisa e sempre odiando alguma coisa para dar valor à vida. O próprio Cristo, que pregou o amor, foi implacável quando expulsou os vendilhões do Templo. Aquilo foi a cólera de Cristo.



Hermes Rodrigues Nery é professor de História e foi colaborador do Caderno de Sábado do Jornal da Tarde.

Das utopias

    Se as coisas são inatingíveis... ora !
 Não é motivo para não querê-las
     Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas.

(Mário Quintana)



Das ilusões

    Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o
   Com ele ia subindo a ladeira da vida.
          E, no entanto, após cada ilusão perdida...
      Que extraordinária sensação de alívio

    (Mário Quintana)



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Dama das letras (P/ Janete do Carmo)

                                          Oh! Doce senhora
                                          que agora é estrela.
                                          Simples seria
                                          se o mundo fosse
                                          teus poemas.

                                          Amáveis versos gentis
                                          de imensas asas abertas.
                                          Talhados com delicadeza,
                                          ornados de rara beleza,
                                          palavras de alma inteira.

                                          E agora do alto avistas
                                          flores, pássaros e casais
                                         que ficaram a contemplar
                                         tuas letras silenciosas
                                         dentro do breu.

                                         Teus poemas me sorriem,
                                         falam-me de você,
                                         contam-me teus segredos.
                                         Revelam-me que agora és
                                         um anjo chamado poesia.

                                        Thiago Cardoso Sepriano

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Entre Reviravoltas

Fecho os olhos e me fecho
me calo e nem percebo
calma vem mas me entresteço
sinto a alma ao passado preso,
um suspiro vem mais do fundo
e as palavras dominam tudo
o coração abala bate forte o pulso
e meu eu mais escondido se liberta para o mundo,
em minha volta gira pensamentos que me toca
meche com meus sentidos e se choca
com o vai e vem de dúvidas expostas
fundindo oque há dentro com oque há fora,
entre reviravoltas e descados
entre desilusões e acasos
meu ser vai seguindo com um só passo
entre trilhas divididas a fatos
descobrindo a cada instante
a verdadeira razão de ser liberto
a um eterno laço
coração em pedaços únicos rastros.

(Guilherme Góes)

UM POEMA QUE EU CHAMO DE MEU

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
seja eu tua pequenina
e de todos, a tua sina,
no momento derradeiro,
sejas tu imolado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
que seja a minha negação
e que toda aceitação
se transforme por inteiro
em tu, sacrificado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
que seja a minha delícia
pregada no cruzeiro
como tu, por ter pecado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
que seja minha delícia
e que toda a malícia
pregada no cruzeiro
como tu por ter pecado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
tenha eu a capacidade
de ter de ti a verdade
que brilha como um luzeiro
e seja tu sacramentado.

(Eli Silva)

querida

não fico calado
a te querer bem,
se tens namorado,
amante, ou, ninguém;
teus cantos eu rondo,
sombrio, sorrateiro,
porém, não me escondo-
revelo-me inteiro:
a máscara tiro
e o doce mistério
traduzo em suspiros...
é tudo o que quero-
morrer do prazer
(quem dera), de nós,
na morte perene
que tem vida após.


rodolfo tokimatsu

Beijo celeste

Atravesso a rua
Vou até a lua
nessa ânsia louca
de beijar-te a boca.
Sigo em febre contínua
ao sentir estrelas
na ponta da língua.
No céu da tua boca,
as palavras mais loucas
se unem em versos
do nosso universo.

Thiago Cardoso Sepriano

O AMOR

O amor é tudo
Belo, pleno, absoluto
O amor é fruto
Do tempo, do carinho, do absurdo.

O amor é paixão
Loucura, fissura, emoção
O amor é alegria
Sorriso, toque, euforia.

O amor é saudade
Lembranças, toque, serenidade
O amor é companheiro
Cúmplice, amigo verdadeiro

O amor é fraterno
Romântico, sublime . . . eterno!
 
(Quel)

VAPORIZAÇÃO

Que metamorfose !
Minhas poucas gotas de alegria
Tornaram-se nuvens de saudade.

(Fabiana Mira)

O ESNOBE

Sei muito mais que tu
Sei até o que não sei
Até o que não deveria saber
O que não poderia saber
Sei mais que Einstein
Que um neurônio
Mais que o próprio saber
Sei tanto, mas tanto
Que me falta tudo
E me resta nada
Para enfim, saber.

(Fabiana Mira)

Sopro

Tola ilusão é a vida...
Triste cantilena orquestrada
ao som do vento.
Folha que vaga aflita
no afã de sonho ou alento.
Traspassa o tempo e o impossível,
tornando-se algo invisível.

Thiago Cardoso Sepriano