quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Morre Mário Quintana (1994)


Quintana e eu no país da poesia

Estive a conversar com Quintana
Dias e tardes alegres
falando de vida, versos e Porto Alegre.
Pairávamos sobre o azul,
distantes do eterno inferno.

Tudo estava belo e certo
Cores vibrantes choviam
sobre um cenário deserto.
Éramos livres !
Éramos livros.

Thiago Cardoso Sepriano

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ser carioca

Ser carioca:
É freqüentar a Lapa,
Brigar pelo Rio no tapa,
Sacudir na Estudantina,
Beber no barzinho da esquina,
Dormir sob a lona azul
Das praias da Zona Sul
E acordar cheio de areia
Ao lado da bela sereia,
Amante de última hora.

É viver o aqui e o agora,
Esquecer que não tem grana
E o suor da luta insana
Pra encher burra de patrão.

É ter muita inspiração
Pra fazer samba na lata,
Gostar de ver a mulata
Desfilando na avenida.

É viver feliz da vida
Sabendo que é diferente,
Amanhecer sorridente
E dormir de bom humor.

É curtir Sol e calor,
Corpo dourado de praia,
Adorar rabo de saia
E falar carioquês.

É fugir do português
Cobrando torresmo e cachaça
E, após dormir na praça,
Ter o mesmo ar tranqüilo,
Levando a vida com estilo,
Ter bom papo, muita ginga
E gostar de boa pinga
Misturada com anis.
Ser carioca é ser feliz.

Josafá Maia da Costa

A Doença do Amor

Dizem que amar é "cura”,
Que todos os males erradica
Mas a verdade é dura
Vou lhe dar uma dica:


Amor é doença estranha
Que todos podem pegar
Não tem remédio nenhum
Senão o ato de amar


Sintomas todos vêem
Basta se descuidar:
Cegueira, surdez
São ilusões da doença amar


Se a pessoa diz "sim"
A doença diz "não"
E fica nessa ignorância
Até escolher outro coração.

Lara Vic.

Sorte Minha

Preciso desabafar,
mas tem que ser com você
Não conheço outro alguém, que possa me compreender
No momento certo, nasceu uma amizade
Sentimento, que me faz sentir saudade

Quero que saiba
Estou entregue
Faço minha parte:
Lealdade, fidelidade, cumplicidade
e verdade

Peço a ti, que tenha zelo por sua metade
E no meu coração viverás pela eternidade
Porém, do contrário deixarás de existir
Todo sentimento que há,
morrerá

Nesta amizade apostei alto
Desculpe-me, se pareço lhe impor algo
Jamais me doei assim à outro alguém
Que chegou de repente...
Arrisquei!


Com você
Sinto-me liberta
Sem receio de me mostrar,
Te deixo ver quem sou, de fato
Lado bom e lado "mau"

O mérito é seu,
que me conquistou e me transformou
A sorte, é toda minha
Por ter alguém especial,
Fazendo parte da minha vida

Precisava dizer
Pois o medo que sinto é te perder
Não vou suportar ver você ir embora
Nada fará sentido
E Meu lado sombrio voltará à tona

by Laryza N. Costa

ESPERANÇA

São estrelas
São lápides
São todas as formas de arte
São pretéritos
São perfeitos
É o que me imagino
É o que me vejo
Todos os frutos de um desejo
Imortal e inanimado
Como heróis do espaço
Um sentido
Um detalhe
Um desatino
O mundo que quero ter
Através do vidro

(Manoel Spiga)

Flor missão

Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura
Desvanece tua aura de candura
a cada choro que o céu derrama
lamentando as dores de quem ama

Oh! Flor de mel! Oh! Flor de bênção, natura
comunga tua alma de ternura
com as dolentes chagas humanas
perfumando as cores mundanas

Saiba, delicado primor
que tua missão é nobre
tua cura eficaz cobre

como um manto de amor
Te esvais, sina mortalha
perde-se a vida, ganha-se a batalha!

Anorkinda

Lembranças

Lembranças... que são?
As esperançosas angústias,
De que um dia voltarão
Cheias de sonhos-de-músicas.

Aquele verso, que nem o chamo,
Chega para dizer:
“-Ei, vamos até aqueles que confiamos
E fazeremos deles o que acreditamos.”

Eis que digo: “-Nem tens contentamento,
Eles são lembranças do pensamento
Passado-presente-futuro que nem lembro...”
Diz: “-Eis que para rimar contigo, lamento!
Pois a única coisa que podemos acreditar
Já lemos...
Fez-se mar esse cantar.”

Pois tudo que acreditamos,
Passado-do-futuro de esperanças,
Acreditamos no passado, e o futuro,
Lembranças...

Diiiogenes Santos

Sem memória

A memória do elefante
é pra ele
questão de sobrevivência.
Já a minha,
pequenina,
é espaço vazio
onde sopra a poesia

Anorkinda

Poema viúvo

Da janela de um submundo
Vi o mundo matar a beleza.
Oh ! Quanta tristeza
neste padecer profundo.
A paisagem se perde em sua palidez
O poema chora sua viuvez.

Thiago Cardoso Sepriano

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Entrevista de Carlos Drummond De Andrade a Luiz Fernando Emediato, publicada no Caderno2, do jornal O Estado de S. Paulo em 15 de agosto de 1987...

Emediato - o senhor tem boas recordações da sua Infância?




Drummond - Eu tenho sim. Eu vivia em um meio rural em que criança gozava de grande liberdade. O cenário era vasto e tanto a cidade quanto os arredores, o campo, nos dava uma grande liberdade.



O senhor teve uma infância feliz?



Drummond - Não sei se pode chamar de feliz a infância, porque há sempre aqueles traumas da falta de entendimento com os adultos, o mistério da vida que a gente não decifra. Eu acho que uma criança pode ser tão feliz ou tão infeliz quanto um adulto.



Qual sua recordação infantil mais marcante?



Drummond - O cometa Halley. É a lembrança mais profunda. pois realmente foi deslumbrante. Eu tinha sete anos. Eu não estava esperando aquilo, não estava, preparado, vivia na rotina, brincando...



O senhor brincava de quê?



Drummond - De plantar bananeira, aquele brinquedo de montar no outro e sair correndo... Como é que chamava aquilo? Pular carniça. E de gata parida. Você sabe o que é gata parida?



Não.



Drummond - A gente sentava num banco, cinco ou seis sujeitos se espremiam, para ver quem caía do banco primeiro. Era bom, era gostoso. Naquele tempo não tinha gelo, eletricidade, cinema, automóvel. Mas a gente vivia muito bem e não sentia falta de nada. Hoje, se a televisão for suspensa, a criança morre de desgosto.



O senhor lembra quando viu o gelo pela primeira vez?



Drummond - Minha experiência com o sorvete foi trágica. Não sabia como tomar sorvete e meu irmão, que já era mais civilizado do que eu, tomou com a maior galhardia. Eu, não; eu metia o dente no sorvete e sentia aquela dor horrorosa (risos). E aquela humi lhação, porque meu irmão não queria que eu de monstrasse que não sabia tomar sorvete, e eu repelia o sorvete e ele falava: "Toma, desgraçado!" (risos)



O senhor tem alguma lembrança amarga da infância?



Drummond - A incompreensão. Éramos seis irmãos e havia dificuldade de se entender, entre todos. Só o meu irmão mais velho, depois de mim, é que era meu companheiro. Eu era fraco, fraquinho, e ele toma va a minha defesa, mas quando acabava aquilo ele baixava em cima de mim também. Era uma guerra.



E as namoradinhas?



Drummond - Eu tive várias namoradas. Mas o namoro no meu tempo era à distância. Uma menina morava num sobrado, no segundo andar, e eu namorava da rua, da esquina, olhando assim pra ela. Um sorriso era um prêmio, uma gratificação enorme. Não havia contato pessoal. Depois, quando jovem, em Belo Horizonte, eu sentia muito a dificuldade de aproximação com as moças. Era proibido olhar para as mulheres. Na praça da Liberdade, você conhece bem, as moças andavam pra baixo e pra cima, e os rapazes ficavam olhando. Mas era só isso. Elas iam acompanhadas ou da mãe ou de um irmão, e o irmão usava bengala, que era um instrumento muito poderoso, que impedia que a gente tentas sê qualquer liberdade maior - um beijo, por exemplo. Quem é que podia beijar uma moça? Era um problema dificílimo.



Consta que o senhor foi expulso de um colégio. É verdade?



Drummond - Eu estudei dois anos no colégio dos Jesuítas, em Friburgo, e era considerado um dos melhores alunos da classe, mas descobriram um dia que eu era um elemento nocivo.



Nocivo, por quê?



Drummond - Talvez fosse uma tentativa de manifestar independência de espírito. Eu fui expulso de uma ma neira muito arbitrária, sem direito de defesa. Fizeram uma reunião pública e, de surpresa, o próprio padre reitor declarou-me indigno, diante de todos, de permanecer naquele estabelecimento. Ajunte suas coisas e saia da sala", disse ele. Eu tinha 14, ou 15 anos. Foi terrível. Fui confinado num quarto, não podia nem dormir com os outros e tive de sair de madrugada, sem me despedir de ninguém.



Isso marcou multo o senhor, parece.



Drummond - Foi terrível. Tomei o trem com moral baixíssi mo. Havia no trem uma viúva toda de preto, com duas meninas tam:bém de preto, e uma delas olhou para mim e sorriu. Esqueci completamente a minha desgraça e fiquei namorando a garota, mas elas desceram numa estação e meu moral voltou abaixo do zero, até chegar em Belo Horizonte.



Como o senhor explicou essa história para o seu pai?



Drummond - O jesuíta é muito falso, muito hipócrita. Neste particular foram generosos comigo, não disseram a verdade a meu pai. Apenas aconselharam que, por motivos outros, me transferisse de escola.



Mas o senhor contou a verdade para seu pai?



Drummond - Não. Meu pai era um homem muito reto, mas sei lá se ia aprovar ou não...



Ele era fazendeiro em Minas?



Drummond - Sim. Era considerado um homem muito rico, porque todo mundo era pobre no interior de Minas. Então, qualquer pessoa que tivesse um palmo de terra era um afortunado.



Como era seu relacionamento com ele?



Drummond - Não foi fácil, não. Meu pai foi incumbido pela sociedade doméstico-conjugal de ser o juiz, o justiceiro. Minha mãe era aquela doçura e, quando via que estávamos nos comportando mal, apelava para meu pai, que tomava a atitude do homem que castigava. Mas a gente nunca aprendia. só muito mais tarde entendi que ele era obrigado a fazer aquilo. Custei a compreender isto.



Que tipo de castigo ele dava para os filhos?



Drummond - Prendia no quarto, cortava sobremesa... De vez em quando dava uns tapas. Uma vez achei que ele ia me bater e levantei a mão para não apanhar na cara e ele ficou estarrecido, pensou que eu ia bater nele. Meu irmão, que era meio safado, então gritou: "Você é um parricida". Eu respeitava muito meu pai. Tenho muita saudade dele, muita saudade mesmo.



E a sua adolescência, como foi?



Drummond - Tumultuada. Depois da expulsão do colégio jesuíta fui morar em pensão, em Belo Horizonte. Tive a sorte de encontrar os melhores amigos da minha vida.



Faziam multa farra?



Drummond - Tomávamos cerveja no Bar do Ponto - você lembra do Bar do Ponto?



Não.



Drummond - Sim, não é do seu tempo. Eu sou uma múmia, bem? (risos) O Bar do Ponto não existe mais. Quando sobrava algum dinheiro a gente esticava na zona, na Rua Guaicurus, tinha lá um restaurante onde a gente ceava um famoso bife a cavalo. A maior delícia.



O senhor se lembra de sua primeira experiência sexual ali na Rua Guaicurus?



Drummond - Não guardei não. Isso nem vale a pena contar... Mas não foi na rua Guaicurus. Mas, sabe, não é assim tão interessante, to do mundo tem lá um dia a sua primeira vez e fica meio espantado, descobre o mundo.



O senhor bebia muito?



Drummond - Não, só uma cerveja. E Martini... E o Madeira leve, uma espécie de vinho do Porto.



E droga, havia?



Drummond - Havia a cocaína. Eu experimentei uma vez e não achei graça nenhuma, não senti nada. Era falsificada, uma espécie de bicarbonato. O que a gente apreciava mui to era o éter. E também o lança-perfume, mas só no carnaval. Eu gostava muito de uma frase sobre droga que dizia assim: "A cigarra gelada do éter". De fato, dava uma sensação de cigarra cantando. Zunia. Lançava o lança-perfume no próprio lenço e eu sentia aquela vibração, aque la fúria.



É verdade que naquela época, anos 20, em Belo Horizonte, o senhor e o Pedro Nava tocaram fogo numa casa?



Drummond - É verdade. Metemos fogo num varal de roupas dentro da casa de umas moças, as Vivacquas, e o fogo se alastrou. E então eu disse ao Nava: vamos desistir dessa bobagem. Demos a volta, apertamos a campainha. As moças queriam saltar. Ajudamos a apagar o fogo, como heróis. Um guarda-civil tinha visto tudo, e no outro dia fomos chamados à delegacia, mas o delegado era casado com uma parenta minha e eles abafaram a história. Surgiu a versão de que tínhamos tocado fogo na casa para vermos as moças de camisola, quando elas fugissem. Foi pura farra, sem nenhuma intenção.



Diz a história que o senhor também tocou fogo num bonde. O senhor por acaso era um incendiário?



Drummond - É, talvez eu tivesse essa vocação, sem perceber. Mas o caso do bonde foi um simples protesto de estudantes. Tinham aumentado o preço dos ingressos do cinema para dois mil réis, e aquilo foi considerado um escândalo. Não podíamos aceitar. Decidimos então atacar os bondes. Afastamos o motorneiro - não sei,como conseguimos força para isso - e tocamos fogo nele. Até um pedaço do bonde eu consegui levar para casa, como um troféu. (Risos) A vida em Belo Horizonte era uma mesmice.



Parece que sua adolescência foi muito divertida. Metendo fogo em casas, se divertindo com a policia...



Drummond - Foi divertida, sim. Ao mesmo tempo havia a preocupação literária. Todos nós escrevíamos. Nós nos reuníamos toda noite, cada um mostrava seu trabalho e os outros criticavam com muita serenidade, com muita objetividade. O Milton Campos, o João Alphonsus, o Nava...



O senhor teve na juventude alguma paixão desmedida, além da Greta Garbo, sobre quem escreveu uma crônica?



Drummond - Você está explorando muito a minha vida, e ela é muito pouco interessante.



Vamos falar de literatura, então. Mas o senhor não acha que sua obra pode ter sido determinada pelo que aconteceu na sua infância, na sua adolescência e, depois, na sua maturidade, essa carga toda de experiência de vida?



Drummond - A minha obra literária foi determinada pela circunstância de eu ser mineiro. Mineiro do interior de Minas, uma região de mineração, onde a dificuldade de comunicação era maior do que em outras zonas do Estado. Nós vivíamos ilhados. Éramos fechados por necessidade e por contingência



O senhor acha então que Minas é um lugar especial?



Drummond - Você é mineiro, não é? Minas foi um lugar especial. Hoje não é.



O senhor foi autodidata, não é? Isso por acaso o limitou em alguma coisa.



Drummond - É. eu fiz maus cursos. Tenho apenas o terceiro ano ginasial. Estudei Farmácia numa escola livre. Eu não tenho uma formação cultural básica,não é?, que possa ser caracterizada como de um escritor de nível médio. Um escritor consciente de seu ofício deveria ter uma formação cultural bastante boa, como de conhecimento de literaturas estrangeiras. A minha formação foi mais francesa.



Será que sua poesia teria sido diferente se o senhor tivesse tido uma formação cultural e filosófica mais profunda?



Drummond - Não sei. Uma grande parte da cultura que a pessoa absorve para uma carreira literária é para não ser consumida, é só para servir de pano de fundo. Na realidade, a gente obedece a um impulso interior, à capacidade de imaginação que nós temos. Porque, se fôssemos nos prender àquilo que lemos ou aprendemos não escreveríamos nada.Todas as obras-primas já foram escritas. O contemporâneo não conta, a meu ver.



O senhor consegue explicar essa emoção que o leva a escrever intuitivamente?



Drummond - Eu sou inteiramente partidário da idéia da inspiração. Seja banal, antiquado, mas sem inspiração não se faz nem se escreve nada. A pessoa adquire a técnica de se comunicar e tem facilidade, como eu tenho, de escrever coisas. Mas aquela coisa profunda que vem das entranhas da gente, isto é inspiração.



Que é que o senhor sente no fundo do coração quando está criando?



Drummond - Quando estou criando um poema eu sinto uma certa exaltação física, um certo ardor. (Pausa) Não, não exageremos; também não é um estado de transe, de levitação. Mas sinto uma espécie de emoção particular que me impele a escrever. E isso me surge até em horas imprevistas, diante de um espetáculo, de uma criança dormindo na rua, um cachorro mexendo com o rabo, uma moça. Qualquer destas coisas pode provocar na gente um estado poético. Ao lado disso, há o lado crítico, depois.



Os seus escritos têm dois lados: um é humorado, alegre, lúdico. O outro é amargo. Qual dos dois é o verdadeiro?



Drummond - Eu acho que o mais sincero é o lado amargo, não é? Eu sou uma pessoa inteiramente pessimista, cética. Não acredito em nenhum valor de ordem política, filosófica, social ou religiosa. Acho a vida uma experiência que tem de ser vivida, mas que se esgota e termina, acabou, não tem nada.



Vale a pena viver, apesar disso?



Drummond - Claro, porque deram a você essa oportunidade.



Ou viver é só uma fatalidade?



Drummond - É, porque você não pediu, você foi chamado. Então é uma fatalidade neste sentido. Então procure viver o menos desagradavelmente possível.



O senhor acredita em Deus?



Drummond - Não.



Só isso? Não?!



Drummond - Sou rigorosamente agnóstico. Uma pessoa que não pode afirmar a inexistência de Deus, da mesma maneira que não pode afirmar a existência. Não tenho, na minha capacidade intelectual. condições para afirmar que Deus existe. E, a não ser os teólogos. duvido que alguém mais tenha capacidade para isso. Mas eu passo muito bem sem Deus. Não me dá remorso e foi uma conquista da minha vida. à qual agradeço em parte aos meus queridos jesuítas. Porque eles é que começaram a fazer desabar em mim a idéia de Deus como um Todo-Poderoso que regula a vida e a morte das pessoas. Mas respeito profundamente qualquer forma de religião.



E a morte, Drummond?



Drummond - Eu estou encarando. não é? Outro dia um amigo meu perguntou a outro: "Você pensa na morte?" E ele respondeu: "Não penso em outra coisa".



O senhor brinca muito com a Idéia da morte.



Drummond - Desde menino que eu penso na morte. Sabe, eu queria ser cremado, mas não existe crematório no Rio, a Santa Casa, que vive do negócio de vender túmulos, impede a criação de crematórios. Quis ser então cremado em São Paulo, quando morrer, mas dá tanto trabalho, é preciso levar uma testemunha. uma burocracia. Não quero chatear ninguém, então comprei um túmulo no cemitério São João Batista, aqui no Rio. Tenho lá uma situação privilegiada, porque o meu túmulo está no alto do morro. No mesmo nível do mausoléu da Academia Brasileira de Letras. Então é de igual para igual (risos). Mas. sabe eu tenho pena das pessoas que vão me sepultar, porque para chegar ao meu túmulo é preciso subir uma escadinha estreita. Não vai ser fácil. Mas não tenho culpa, foi o lugar que encontrei para comprar, não tinha outro.



O senhor é feliz?



Drummond - Não sei. Não sei. Eu não sei o que é ser feliz. Eu vivo, e vivo em paz com meus semelhantes.



O que é a esperança, para o senhor?



Drummond - Um fio muito fino,ao qual eu meu agarro para não morrer desesperado.



Um de seus poemas, José, é um poema desesperado, mas no final ele não se mata, ou seja: o senhor escreve coisas amargas, mas às vezes deixa uma abertura, uma ponta de esperança.



Drummond - Sim, ele não se mata. Ele marcha, ele anda.



O que o senhor acha do suicídio?



Drummond - Uma solução heróica. De uma grandeza moral enorme. A não ser, claro, quando o suicida é doente, que se mata porque está privado do raciocínio.



E a política? Como o senhor entrou na vida política?



Drummond - Entrei na política em 1945. Eu tinha sido chefe de gabinete de ministro no governo Vargas, mas não era político. Em 1945 eu simpatizava com o Partido Comunista e, durante três meses, meu nome apareceu no expediente do jornal do partido.A experiência não me deixou saudades, saí de lá com o rabo entre as pernas.



Por quê?



Drummond - Éramos diretores do jornal e nenhum de nós dirigia coisa nenhuma. O jornal censurava as coisas mais absurdas. Até informações. Fiquei desencantado com o partido. Não quis mais saber de comunismo.



Como é que o senhor se define hoje, ideologicamente?



Drummond - Eu não sou nada, nada. Eu seria um eleitor em potencial do Partido Socialista Brasileiro. Mas não sou mais eleitor, desisti de me recadastrar. O senhor não vai votar este ano, então? Não, não vou. Estou desencantado com isso. Tenho uma longa experiência de desencanto político. Em 1910, eu tinha sete anos de idade e o marechal Hermes da Fonseca foi eleito presidente da República com 400 mil votos redondos. Nem um a mais e nem um a menos. Por sua vez, o chefe da campanha civilista mandou telegramas para todos os diretórios civilistas noS Estados recomendando que aumentassem a votação nas notícias aos jornais. Houve fraudes dos dois lados.



O senhor votou em Jânio Quadros para presidente?



Drummond - Votei, E depois disso você acha que eu ainda vou votar em mais alguém?



O senhor apoiou o movimento de 64?



Drummond - Não apoiei não. Eu fui contra João Goulart, achei que a derrubada dele foi salutar. Mas uma semana depois já haviam praticado tais desmandos que não pude apoiar. Posso ter pecado por omissão por não ter denunciado logo, mas não apoiei.



O que é o que o senhor pensa da situação política no Brasil hoje?



Drummond - Não vou votar. Minha reação de desencanto explica tudo, não é?



E a República do escritor José Sarney?



Drummond - Não vejo nada, não. Eu acho que o Plano Cruzado foi uma boa idéia, vamos ser justos, uma idéia bem-intencionada. Mas estamos sem carne, não é? O congelamento não resolve. Estamos numa sociedade capitalista em que o motivo principal do trabalho é o lucro. O boi não tem opinião, coitado. Aliás, nessa história de congelamento, eu tenho muita simpatia é pelo boi, que está vivendo mais alguns meses no pasto.



O que é que o senhor sente quando vê, pelos jornais ou pela TV, que o Congresso está vazio?



Drummond - Eu acho terrível. E a gente não pode falar contra o Executivo, porque tem que falar mais mal ainda do Legislativo. O empreguismo, o clientelismo, o filhotismo, a falta de responsabilidade...



Um artista, um intelectual tem opiniões que pesam multo na sociedade. O senhor acha que...



Drummond - O que mais podemos fazer é conservar nossa dignidade. Não participando daquilo que nos pareça errado ou nocivo ao bem comum. A obrigação do escritor e do artista é fazer a melhor literatura, a melhor arte. Interpretar bem o sentido das coisas, o mistério da alma humana. o mistério das relações sociais. Não vejo como o artista pode influenciar na sociedade brasileira. Ele acaba sendo cantado pelos poderosos e prestando serviços a eles.



E a Constituinte?



Drummond - Eu gostaria muito que ela fosse realmente uma Constituinte. Mas vejo pouca probabilidade de se formar um grupo realmente poderoso e consciente, que sejam bons patriotas, para que possam fazer uma boa Constituição. Eu olho com certo susto a Constituinte. Uma coisa que acho muito importante é definir o papel das Forças Armadas. Não podem tutelar o regime democrático. Mas é difícil conseguir isso.



O senhor disse há pouco que, se votasse, votaria no Partido Socialista. O senhor acredita que exista socialismo real em algum país do mundo?



Drummond - O regime socialista a meu ver não é praticado nos países que se dizem socialistas. A não ser talvez na Escandinávia, onde há, realmente, um começo.



O senhor já foi convidado para visitar Cuba, como outros intelectuais que lá estiveram e até escreveram livros a respeito?



Drummond - Nunca fui, não. Aliás, uma vez eu estava posto em sossego, cerca de meia-noite, e me telefonou o Chico Buarque de Holanda, pessoa que admiro muito, mas com quem não tenho nem contato. Gosto da música dele. Telefonou e disse: "Preciso conversar com você". Eu disse: "A esta hora da noite? Meu Deus, aconteceu um drama, para o Chico me procurar!" Mas disse. "Pois não, venha". Apareceu em companhia de um cidadão moreno, magro. Era já meia-noite e meia. O cidadão falou meio enrolado, era o embaixador da Nicarágua no Brasil, que tinha lido uma crônica minha no jornal e achava que eu estava mal informado sobre o país dele. Ah, tenha paciência! Eu tenho noção do que escrevo, compreendeu? Não sou partidário dos Estados Unidos, longe disso, acho a agressão à Nicarágua uma coisa estúpida. Mas não se pode negar que a Nicarágua é uma ditadura. Eles fecharam o La Prensa, onde tenho amigo, o poeta Pablo, Antonio Cuadra. E então falei para o Chico: "Tenha paciência"!



E o embaixador? Ouviu e foi embora?



Drummond - Era delicado, como todo embaixador.



O senhor tem um poema, Favelário Nacional, em que diz que é difícil ser irmão das pessoas, ser solidário.



Drummond - Eu acho muito difícil. Fomos criados para sermos irmãos de nossos irmãos, e mesmo assim olhe lá. Somos irmãos de nossos irmãos e de nossos amigos - os demais são sócios, indiferentes ou inimigos, competidores. Se eu quiser ser irmão de um favelado eu acho que ele me cospe na cara.



O senhor tem escrito muito hoje em dia?



Drummond - Pouco, muito pouco.



O que é pouco para o senhor?



Drummond - No mês passado eu fiz 20 poemas curtos focalizando aspectos da vida de Manuel Bandeira.



Tem algum livro inédito de poesia?



Drummond - Tenho matéria para um livro, mas não pretendi publicar até agora. Quer ver? (Busca uma pasta com poemas cuidadosamente organizados, tira um, mostra.) Este aqui, Quadros em Exposição, eu fiz inspirado em grandes pinturas clássicas. Não vou à Europa, fiz olhando as cópias.



E seus poemas eróticos?



Drummond - Passaram da moda, não pretendo publicar.



O senhor lê a poesia que se faz hoje no Brasil?



Drummond - Eu acho muito ruim.



E o movimento concretista?



Drummond - Uma bobagem.



A poesia práxis também?



Drummond - É. Outra bobagem.



O senhor não vê valor nesses movimentos?



Drummond - O que há hoje no Brasil é uma diluição da poesia brasileira em termos até chatíssimos, porque todo mundo agora faz poesia, e ninguém faz poesia. É uma coisa incrível. O mal disto vem do Modernismo. O Modernismo rompeu, inovou, criou, deu novas formulações estéticas, mas ao mesmo tempo permitiu que todo mundo que não sabe escrever escrevesse. O pessoal não tem a menor noção de ritmo, de criação verbal e faz versos. Todos os dias agora aparecem antologias, e então aparecem 200 poetas, geralmente mulheres. E impressionante o número de mulheres que pensam que fazem versos.



E a poesia da Bruna Lombardi?



Drummond - Ainda agora estou gostando muito do trabalho dela na televisão.



Bem, acho que estamos no fim. O senhor quer dizer mais alguma coisa?



Drummond - Eu não. Não quero dizer nada. Você me arrancou uma porção de coisas que eu não devia dizer. Por minha iniciativa, eu não digo nada a ninguém, sabe?



"Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco."

(Poemas de Sete Faces, 1930)

Brincando de Circo e Poema Utopia


BRINCANDO DE CIRCO
E POEMA UTOPIA

(SÉRVIO LIMA)

sábado, 18 de dezembro de 2010

                                    






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RUBBER SOUL- THE BEATLES        

  Rubber Soul é o sexto álbum lançado pelo grupo de rock The Beatles. Foi gravado aproximadamente em quatro meses e lançado em 1965 sendo produzido por George Martin. É citado por muitos críticos de música como o álbum em que os Beatles começaram a tornar seu som mais eclético e sofisticado. Este álbum está na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame.




Naquela altura, depois de amenizada a força primitiva do Rock, com a explosão do folk-rock e da surf music, cada grupo passou a utilizar-se de todas as potencialidades que os estúdios de gravação podiam oferecer. Os próprios Beatles superaram sua fase adolescente, passando pelas brincadeiras colocadas em filmes por Richard Lester, até o profundo universo poético que começaram a desenvolver com o álbum Rubber Soul. Realizaram então verdadeiras "rupturas", como a letra surrealista e o uso do sitar em "Norwegian Wood", o lirismo de "In My Life" e "Michelle", a solidão pungente de "Nowhere Man", enfim, Rubber Soul foi considerado o mais inovador álbum de música pop lançado até então

                           

Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector


Das Vantagens de ser Bobo

 O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir, tocar no mundo.


O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado

por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando”.

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de

sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.

O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.

O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer.


Resultado: não funciona.
Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro.


Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto estar tranqüilo.

Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros.

Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu.

Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.

Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida.
Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás,


não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro,

com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem

por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.

É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca.

É que só o bobo é capaz de excesso de amor.

E só o amor faz o bobo.
 
(Clarice Lispector)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A aventura do apaixonadado

Em passo cuidado com a emoção
E talhado para o vencer da vida,
Seguia o aventurado homenzarrão
Com esperança na amada querida.
Mas, tremelicando com o coração
Em mão direita e espada aderida
Em esquerda, meio suada estendida,
Pingava a coragem, onde só o chão
Seria capaz de segurar sua força
Que escasseava e em lugar deixava
Uma parte de homem, que devassa,
Em continuar de pé ela cuidava.
Certas as duas coisas sem dúvida do ser
Que pensamentos valem milênio! E que
Felicidade fez-se bem-vindo prêmio!

Ivan Lantyer Neto

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Entendendo a poesia.

 (Giovanni Chaim)

Na poesia de Drummond, 2 + 2 são 7.
Se ele se chamasse Raimundo, seriam 5.
Na de Quintana, são 17.
(As andorinhas?) - mas o amor é sempre o mesmo.
Menos 7 pessoas de Pessoa = 10.
Elevado ao ''cubismo'', menos o Parnasianismo,
Resulta no modernismo da pós pré arte.

Palavras...
Palavras...

Viva para equacioná-las.
Ame para entendê-las...

INVESTIGAÇÃO

Em meu círculo de amizade
Tenho uns amigos quadrados
Alguns triângulos amorosos
E nem mesmo o Pentágono
Sob qualquer ângulo
Descobre esses pontos...

Janete do Carmo

ESCONDERIJO

A chave
espia o outro lado
E guarda segredos
bem guardados!


Janete do Carmo

BRISA DE INVERNO

As linhas são minha sina,
tentam impor limites aos meus
pensamentos flutuantes.


 Jordão Tomaz

ACENDENDO AS PEGADAS

 .
... eu digo muitas vezes e de “ene” maneiras
as mesmas coisas comprometedoras
(ou atraidoras, inclusive, de chumbo grosso) de sempre...
E quando dou de cara com meu pensamento
insurgente imbuído nos versos subversivos de outro poeta,
em vez de negá-lo, eu o reafirmo de modo
estridente e acintosamente...

Assino, sem pseudônimo, tudo que escrevo
e apesar de detestar fotografias
(devido ao fato de nelas não me achar
desapetitosamente tão feio quanto gostaria
de sê-lo aos olhos famintos e genitais dos outros)
gosto de estar presente em manifestações de repúdio
ao hematófago, reptiliano e canibal (sempre hematófago
reptiliano e canibal) poder dominante,
e de estardalhaçar que estive
para que assim, os inquisitores caçadores
de pseudo-bruxas possam me apanhar facilmente
quando o tempo circunférico e retornável
de caçar dissidentes, de novo aflorar,
sim, que eles possam me desarquivar e achar, seguindo
facilmente as pegadas que, para assustá-los, acendo exatamente
na esperança de que um dia eles me apanhem mesmo
pois, afinal, poeta que morre de morte morrida
e não embranquecido, leia-se, e não alvejado
automaticamente pelos meganhas
da polícia política não é digno de ser chamado
como tal nem merecedor de ganhar uma lápide
com os seguintes - e de próprio punho - dizeres:
Eu fiz tudo ao contrário do me foi ensinado:
EU DISSE irreversivelmente, inclusive NÃO, NÃO, NÃO
ao apequenamento de boca,
ao apregoar sobre os telhados aquilo que os outros
tinham medo de prununciar até em pensamento
e, ainda por cima, me denunciei: endureci o meu dedo furador de bolos
e o apontei contra mim mesmo, e me dedurei
acendendo premeditada, suicida
e matematicamente as minhas pegadas...


José Lindomar Cabral



.

Eu vi.

 (Giovanni Chaim)

Eu vi Deus um dia.
Pela ''greta'' da porta do quarto antes da ante sala de jantar da casa da minha tia avó.
Não sei se ele riu - de mim.
Ou sorriu - pra mim.

(É enigmático)

Eu vi que tinha amor na hora que o vento bateu nas folhas do Ypê amarelo.
Alguém que tinha ódio não teve mais.
Bateu as mãos com força e jogou fora feito sujeira de poeira acumulada.

Eu vi Marina, Ana, Paula...
Pulavam feito fossem coisas levadas pela ''pré chuva''.
Que sabia-se que ia cair.

Eu vi peixes fora da água que depois não eram mais peixes.
E a água nem os queria mais...
E o sonho... e a vitrine de roupas chiques.

Eu me vi.
E vi alguém que pode melhorar...
Por dentro... pra fora.

EX-CRAVO

Aqui estou
Não mais
Escravo
Do que escrevo
Acho que já
Não devo
Um centavo
A essas linhas
E não devo
Dever mesmo
Biografei
Atá as minhas
Células
Com microscópio
Pintei meus
Anseios
Em telas
Musiquei
A mim
A mim
O próprio
Acho que não
Devo nada
A história
Com final
Opcional
Já foi
Contada
O que
Me prendia
Afinal
A essas letras
Não prende mais
Correntes
Foram quebradas
A liberdade
Ainda que tardia
E pra ser honesto
Demorou por demais
Enfim chegou
A escravidão
Que me mantia
Preso
A escrivaninha
Acabou

(Cleiton)

A VALSA DAS ESTRELAS

Era um baile infinito
sem começo ou fim
e a dança traduzia o bonito

Astros de todo o firmamento
deleitavam-se em esferas
coroadas de embelezamento

Pares siderais conjugados
valsavam sem pudores
entorpecidos e estrelados

Faiscavam meteoros
sem pausa ou monotonia
e a música saía pelos poros

Deuses de todas hierarquias
aplaudiam-se em sorrisos
encantados com as companhias

Poetas astrais recitavam
os versos ritmados
e todos, afinados, cantavam!

Anorkinda

O Conto do Quase Suicida

 Dois homens cruzam suas vidas no parapeito de uma ponte.
A existência da dupla é limítrofe a alguns centímetros.
Um olha para o outro parecendo perguntar se era aquilo realmente que ele estava pretendendo.
O semblante de quase morte dos dois denuncia a verdade e nem é preciso uma sequer confirmação para a final constatação. Para tentar disfarçar algo simplesmente indisfarçável os dois começam a falar quase que simultaneamente:
-Não é isso que você está pensando.
Fazem um gesto que por pouco lembra um sorriso, mas mantêm a seriedade após alguns milésimos de segundo. Os dois começam a expor as razões que os levaram àquele momento ímpar. Alberto um louro, quase albino, relativamente baixo e gorducho, com a base de uns 44 anos mal vividos começa a se expressar:
-Acho que vou ser o primeiro a falar, deixe-me pensar... Cresci num orfanato e não tinha nenhum amigo, até que conheci a única pessoa que realmente gostou e se importou comigo, minha esposa. Nos casamos, consegui um emprego, estava tudo indo extraordinariamente bem, até o momento em que me envolvi com amizades erradas que me fizeram pouco a pouco acreditar que fidelidade era uma burrice, então aceitei sair com uma das mulheres que estava com eles, uma ruiva. Começamos a nos beijar, quando estávamos na cama e olhei ofegante para a ruiva lembrei-me de minha mulher e todos os sentimentos que nutria por ela e desisti de terminar o que havia começado. Tentei esquecer isso, vivi com minha esposa como se aquele dia nunca houvesse existido. Passado alguns anos um amigo dela sofreu um acidente e estava precisando de uma transfusão de sangue, eu era compatível e logo me dispus a doar. Para minha surpresa eu era portador do vírus HIV, saí arrasado e fiz o que devia ter feito desde o início, contei a minha mulher que desesperada me expulsou de casa e também fez o exame. Nunca fui muito religioso, mas me lembro de ter rezado muito na noite anterior ao resultado. Infelizmente ela também era soropositivo.
Depois disso fui morar num pequeno hotel e perdi o emprego, não possuía mais estímulo em buscar outro e entreguei-me totalmente à bebida. Para terminar, após alguns anos descobri pesarosamente através de conhecidos, que minha esposa faleceu por doenças relacionadas a AIDS. Ela também me escondeu algo imperdoável, esperava um filho meu quando me expulsou de casa. Soube que a criança não foi contaminada e nasceu saudável, sendo levada para um orfanato logo após o falecimento da mãe. Procurei por muito tempo, encontrei algumas pistas, mas nunca me levavam a nada, cansei de ter esperanças, desisti de procurar e aqui estou.
Célio observa atentamente, ele é um homem de feições até certo ponto vistosas, corpo atlético, aparentemente uns 41 anos, voz forte, por vezes grosseira. Após o silêncio de Alberto ele presumi o fim da história e começa a resumir os acontecimentos de sua vida:
- Não há um motivo grandioso para estar tentando me matar, fiz tratamento, pois sempre sofri de depressão, tenho altos e baixos, sinto como se não pertencesse a esse mundo. Minha felicidade sobrevive de coisas doentias, sinto prazer com fatos bizarros, tenho que presenciar coisas estranhas para me sentir realizado.
Eles ficaram em silêncio analisando tudo até aqui dito, passaram a tentar apontar ao outro seus equívocos no modo de pensar. Nesse momento suas vidas ganha uma razão para prosseguir por mais alguns instantes, evitar que o maluquinho ao lado pule. Alberto mentaliza tudo o que a vida havia lhe proporcionado de bom, até os mínimos momentos de leve felicidade foram levados em conta e principalmente, fixou em sua mente a imagem de como imaginava seu filho que deveria estar com 9 anos de idade. Ele imaginou que ainda queria dar muito amor e carinho à essa criança. Há muitas coisas ainda a serem vivenciadas ao lado do seu filho, então ele desiste de tudo, se afasta da ponte e estende a mão para Célio que olha de forma relutante, ele não aceita...
- Não vale a pena levar essa loucura adiante -diz Alberto- vamos tentar mudar nosso quadro.
- Já tomamos nossa decisão na hora que saímos de nossas casas e viemos a essa ponte, não existe mais volta -responde Alberto- Você acha que alguém vai se importar se nós pularmos? Amanhã talvez saia algo no jornal, não temos ninguém para chorar nossa morte, você crê que seu filho vai te querer quando souber o que houve? Você provavelmente nem irá encontrá-lo, afinal você sabe quantos orfanatos existem na cidade? Isso é se ele está na cidade.
Alberto se desespera, pois mesmo apesar de tudo, Célio mostrava uma grande centelha de lucidez, isso causava um sentimento mais aterrorizante que o original que o levara a estar ali naquela ponte.
Célio chora copiosamente, deixando toda a fragilidade aflorar sem a mínima vergonha, afinal o que a vergonha poderia representar num momento como aquele? Alternando momentos de lucidez assustadora e insanidade deprimente, relembra mais algumas passagens de sua vida e as conta para Alberto:
-Tenho dinheiro, mas não tenho amigos, não tenho lembrança de alguém que tenha tomado alguma atitude de benevolência comigo. Meu pai me deixou dinheiro, uma empresa e nenhum amor, carinho, nem sequer um afago. O dia de sua morte foi um dos dias mais confusos de minha vida, não sabia se chorava ou se sorria se tinha perdido um pai ou um desconhecido. Minha mãe nos abandonou, pois não suportou a convivência doentia com meu pai, que era violento e totalmente insensível. Não tive nenhum irmão, era sozinho e inventava amigos e uma felicidade imaginária para tentar não enlouquecer.
Alberto se comove totalmente com o que ouve, procura palavras para acalentá-lo, ele percebe que na vida dos dois faltava um encaixe, parecia que não havia nenhuma finalidade para serem criados, talvez uma aberração dos desígnios de Deus. O céu toma a cor de acinzentado entristecido, ambos olham para o vazio e baixo rezam ou balbuciam monossílabos sem nexo, olham para cima talvez esperando alguma resposta.
Após um longo silêncio, Célio quebra a surdina e faz a seguinte proposta:
- Pulamos nós dois no três.
Alberto acena cabisbaixamente que sim, sentindo que não existem mais opções. Começa a contagem com os olhos fechados, fazendo tanta pressão que chega a machucá-los:
-1... 2.... 3! E um salto solitário no vazio.
Alberto se joga no abismo sem final aparente, nem percebe que ninguém está ao seu lado, aguarda os poucos segundos de queda livre apreciando o barulho do vento em seu ouvido, nenhum medo se faz mais presente, ele sente cada sentido seu sendo inativado, até que chega o eminente e inevitável fim. Enquanto isso, Célio se apoia totalmente no parapeito para observar cada detalhe sórdido, admira extasiado a cena, sente um prazer doentio e desmedido, parece não sentir culpa e com a consciência leve como uma pluma fica alguns minutos admirando as sobras cadavéricas minúsculas. Se sente orgulhoso com sua grande atuação e se elogia cinicamente:
-Merecia um Oscar por hoje, aliás, como sempre.
Ele se vai dentre as sombras como nas outras vezes. Posteriormente aguardará quem sabe mais um trouxa, quer dizer, colega suicida.


Claudenor de Albuquerque.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Crente

Tenho a crença
Que não creio,
Mas creio...
Na inocência que perdi;
No devaneio em que fiquei;
No sangue amargo que me fazem beber;
Nesta dor justificada;
Por uma dor já sofrida
E,
Se me vejo fraco...
É neste ser que me apego.
Não sei seus pontos fracos,
Mas o meu,
É tê-lo ao lado.
Se não o tenho
Encontro-me desenganado..

(Manoel Spiga)

GRUA

Meu olhar
Anda
Tão pesado
Que mal posso
Mantê-lo de pé
Mal posso
Sustentá-lo
Anda
Tão pesado
Que desequilibra
Meu corpo inteiro
Anda
Tão pesado
Que tenho
Que arrastá-lo
Pelo caminho
Anda
Tão pesado
E tenho
Que carrega-lo
Sozinho
Pela rua
Tão pesado
Que tenho
Pensado
Em usar
Uma grua

Cleiton 23-10-2010


  

Obrigado!

Ah poeta!
Ainda lembro de nosso primeiro encontro.
E como poderia esquecer?

Era inverno, lembra poeta?
Lembra como a chuva da manhã deixou sujos meus sapatos?
Como a pouca luz da sala fazia de todos nós fantasmas?

Eu era uma criança ainda.
Tinha em mim todos os sonhos e todos os medos do mundo.
E tu poeta?
Ah, tu tinha todos eles também.
Todos guardados em tuas linhas.

Como meus olhos brilhavam com tuas histórias.
Me imaginava pisando vulcões ao teu lado,
sentindo o cheiro úmido das florestas.
E muitas vezes podia jurar que a água do mar tocava meus pés.

Lembro como o cheiro do metal conquistador e assassino
me chegava às narinas da imaginação.
Como chorava ao ouvir de ti a realidade do pobre mineiro,
com sua face queimada pelo salitre impiedoso.

Lembro das lições sobre o amor e a igualdade.
Lembro das manhãs à teu lado,
aprendendo a também falar a língua dos rios.

Lembro também de como me falavas da tristeza
ao ver a maldade no coração do homem.
E de como me narrava os feitos de heróis de verdade,
de carne e osso e coração.

Ah poeta!
De ti roubei palavras para toda uma vida.
De ti roubei os mares, as lutas, as raízes e os sonhos.
Em tuas linhas vivo e não vivo em vão.

E tu poeta!
Daquela criança,
roubaste o coração.

Por: Yuri Pospichil

VONTADE

Vontade de tudo
E do nada
Vontade cheia
Mas vazia
Vontade sem vontade
Da vontade
Vontade sem verdade
De verdade.

(Fabiana Mira)

Drummond 3 de 3 (Arquivo N, Globo News)

Drummond 2 de 3 (Arquivo N, Globo News)

Drummond 1 de 3 (Arquivo N, Globo News)