segunda-feira, 28 de março de 2011

Documentário Cassiano Ricardo - Parte2 (por Daniel Megda)


 TESTAMENTO

Deixo os meus olhos ao cego
que mora nesta rua.
Deixo a minha esperança
ao primeiro suicida.
Deixo à polícia o meu rasto,
a Deus o meu último eco.
Deixo o meu fogo-fátuo
ao mais triste viandante
que se perder sem lanterna
numa noite de chuva.
Deixo o meu suor ao fisco
que me cobriu de impostos;
e a tíbia da perna esquerda
a um tocador de flauta
para, com o seu chilreio,
encantar a mulher e a cobra.
Às coisas belas do mundo
deixo o olhar cerúleo e brando
com que, nas fotografias,
as estarei, sempre, olhando. . .
Aos noturnos assistentes
de última hora — aos que ficam,
o sorriso interior e sábio
que nunca me veio ao lábio.


(Cassiano Ricardo)

Documentário Cassiano Ricardo - Parte1 (por Daniel Megda)


A flauta que me roubaram

Era em S. José dos Campos.
E quando caía a ponte
eu passava o Paraíba
numa vagarosa balsa
como se dançasse valsa.
O horizonte estava perto.
A manhã não era falsa
como a da cidade grande.
Tudo era um caminho aberto.
Era em S. José dos Campos
no tempo em que não havia
comunismo nem fascismo
pra nos tirarem o sono.
Só havia pirilampos
imitando o céu nos campos.
Tudo parecia certo.
O horizonte estava perto.

Havia erros nos votos
mas a soma estava certa.
Deus escrevia direito
por pequenas ruas tortas.
A mesa era sempre lauta.
Misto de sabiá e humano
o vizinho acordava
tranqüilo, tocando flauta.
Era em S. José dos Campos.
O horizonte estava perto.
Tudo parecia certo
admiravelmente certo.



(Cassiano Ricardo)

Dos amores constantes...

E eu quero em teus abraços adormecer
Para em teus braços acordar.
No balanço do mar me encantar
E no fundo ver o amor me acenar

A viver mais um fim de tarde, um dia a mais
e uma nova vida ao teu lado um novo rapaz
E eu quero de ti poder gostar sem mais nada temer
No teu abraço me esbaldar no teu beijo me socorrer

Pra sempre ser feliz,
sempre feliz ser,
Feliz sempre ser,
ser feliz sempre,
sempre!

Soneto do amor verdadeiro
E eu quero em teu jeito saciar minha fome de amor reprimida
Costurar os rasgos de um coração
Curar toda dor de minha ferida
Te amar por inteira, esquecer a completa escuridão

Eu quero a ti o melhor ser
Ser causador de tua felicidade
Quero todo amor seu ter

De tua maior saudade ser o primeiro
De você ser o melhor companheiro
De ti ser por inteiro
Ser teu o teu amor mais verdadeiro

Contigo viver a mais bela historia
Te dar os melhores momentos
Viver sempre em tua memória

(JJr Couto)

PARA NÃO RIMAR AMAR COM ALMÓDOVAR

... só depois de haver adquirido maturidade
(aquisição esta alcançada antes de conquistar algumas rugas,
sim rugas são conquistas)
foi que pude então compreender
que amar não é coisa de meninos, quer dizer,
não é brinquedo, haja vista que o amor queima mesmo
qualquer um que, amando, não esteja preparado
para lidar com o fato de que o amor, ao contrário
da paixão que não for segundo G.H., é fogo eterno,
perpétuo e não uma efêmera chamazinha
que permanece infinita somente enquanto
dura a efemeríssima palha fumacenta que a alimenta,
uma vez que confessar, por exemplo,
“deixei de amar fulano(a)”
não passa de uma eufêmica e anestesiadora expressão
por meio da qual o sujeito procura proteger-se
da dor que emana da compreensão apenas inconsciente
de que o amor que o inspirara a amar alguém
em vez de haver se extinguido, na verdade, acabou
achando-o aquém, leia-se, verde demais para a missão
de desatar o outro, e por isso imigrou de corpo
a procura de um coração desatado e/ou preparado
inclusive para usar suas próprias cordas
de maneira que as mesmas pruduzam harpejos,
não amarração, entenda-se, um coração apto
para não rimar amar com Almódovar,
ou seja, para não rimar amar com atar...

(José Lindomar Cabral)

ODE AO PRAZER QUE ESCREVER ME DÁ

... porra, Clarice, porrra!!!...
Eu que devia ter lispectormente escrito
" Eu sei muito pouco,
mas tenho a meu favor tudo que não sei"
(e acrescentado:)
e por isso escrevo... escrevo... escrevo...
... porque, pra mim, o ato de escrever,
apesar de doer,
me dá mais prazer
e é mais difícil de me abster
do que fazer eufemisticamente amor,
do que comer, do que viver
(e ‘fazer eufemisticamenter amor’
porque amor não se faz,
muito pelo contrário, é o amor
que nos faz
inclusive melhores
e um pouco mais racionais que os animais)...

(José Lindomar Cabral)

domingo, 20 de março de 2011

7° Selo

Quis o destino que eu descesse poeta na Terra.
Despenquei.
Todos os poemas são tortos até que uma alma atenta os acolha.
Foi quando, com um lápis preto
Desenhei o maior arco-íris colorido em mil tons no céu.
Apenas os anjos disseram amém. Minha mãe disse: Até quando?
Insisti na sina.
Continuei carimbando almas e fatos
Mesmo quando descobri no meu povo homens dormindo
Sobre campos minados de raiva.
Poesia é assim mesmo: não dá dinheiro, dá trabalho.
Uma dor de cabeça forte que agrada
Me embriaga a alma e faz ver coisas
Que Deus escondido prefere manter.

(Rogério Germani)

Vazio

É noite...
Ratos se acasalam nos esgotos
e como parabólica antena
na solidão segura do quarto ouço os grunhidos bestiais.
Com o vento , a cortina se agita
minha alma precipita-se a cortejar a lua frígida
Quase ouso saltar a janela
para enterrar na calçada meu último verso
mas nesta noite a poesia me traiu...
nenhum corpo me aquece
minha taça está vazia feito meu coração estilhaço.
de tantos buracos, minha vida virou cortiça.

(Rogério Germani)

Parto para outra

a Ferreira Gullar

a pureza dos nomes sujos
lava a honra
as desgraças da vida- flor sanativa
que nunca cauteriza.
Gritar:
Sou brasileiro!, é paliativo
quando quem primeiro come é outro idioma
e ninguém mais recebe
pedaços de sonho para sonhar.

Desigualdade!
Palavra mais feia nunca vi,
mas arde real nos ouvidos
no peito chiado de bronquite, haxixe e outros
desamores

coisa esquisita: mostrar educação
de lorde e
logo em seguida
levar na bunda um chute da pátria.

Melhor seria não ter nascido,
ter ficado sozinho em casa com o dedo
no gatilho
e a alma presa na descarga.

(Rogério Germani)

As flores

Espera entorpecida de cães
a carruagem repleta de versos-estrume
prévia cultura das flores futuras
nasce num poema os odores de uma morna estação
entrelaçada em asas de manhã e sonho;
a palavra alça vôo
para acariciar num bofete as faces do dia
a teologia rude que alimenta os olhos
como pomos talhados em luz.

Numa jarra, longe dos pêlos caninos,
moucas aos humanos ganidos,
adornando a tempestade as flores aguardam o momento
de submissas saudarem o silêncio.

(Rogério Germani)

Noturno

a Gabriela Mistral


tabletes de trevas
iluminam mais os meus pés
que a volúpia das águas- chama marinha;
iluminam o canto e o mundo
com seus versos de límpido adorno,
iluminam os homens que brotam das sombras.

Das árvores escuras e espessas
onde guardam os seus sonhos as claras estrelas,
meu brado alcei:
lágrimas e flores colhi em camponesa alma
e, entre árduos mineiros e letras errantes,
a filha encontrei
amamentando os séculos e os anjos num peito aberto
[ de etérea mãe.

(Rogério Germani)

VERSOS LIVRES

... olho para os que hoje em dia
escrevem versos metrificados
(e ainda empinam o nariz por causa disso)
como o mesmo olhar horrorizado e reprovador
com que olharia para alguém que atualmente
passasse a tratar os negros
(oh, perdão, os “afro-ascendentes”)
como se a Princesa feia, frígida, altiva,
insossa, digo, desgostosa, preconceituosa e racista
(a tal e desprovida de sal e glacial Isabel) nunca tivesse
sido forçada – por nebulosas, hipócritas
ou ocultistas razões históricas – a assinar
a “lei de ouro” (ouro obviamente falso, eufêmico)
por meio da qual a Maçonaria Internacional
fez com que a camaleoa escravidão
mudasse de cor, tornando-se policrômica
ou multirracial, e assumisse a partir de então
a forma generalizada (empregado versus patrão)
contra a qual não existe abolição...


(José Lindomar Cabral)

Nuvem Passageira

Do céu cai a chuva leve
Uma nuvem passageira!
Num período curto, breve
Molha as folhas da laranjeira

Terra seca, solo rachado
Sol torrando a plantação
Poucos pingos no serrado
Não aparentam solução!

(Franck Stacke Ferreira)

E ELAS - AS PERNAS ENSEBADAS DA POESIA – ME ALCANÇAM MESMO

... quando estou escrevendo, me divirto à beça
procurando superar A Poesia
(pois não preciso dela para produzir notícias da alma,
vulgo escrever poemas)
passando, de propósito e de repente, a deixá-la para trás
ao aumentar a velocidade e a tensão
por meio das quais me ponho, de súbito,
a desenrolar e esticar o fio da meada ou tema,
de maneira que ela – A poesia –
que ainda a pouco estava a fazer
amor comigo na escrivaninha, ao ver-me,
desabalado, lá na frente, põe-se imediatamente
(e às pressas) a vestir a preta e afrodisíaca calcinha
de renda, a meter-se com rapidez espantosa na negra
e excitante camisola que sabe a amora,
que já fora folha de amoreira
(entenda-se, a negra e excitante camisola de seda),
passa sebo vaginal nas canelas, e só mesmo ela
para conseguir driblar o tradicional erro gramatical
gritando : “Pernas, quero que vocês alcancem já
o Lindomar!”; em vez de gritar: Pernas, pra que te quero!”
E elas – as ensebadas pernas da Poesia – me alcançam mesmo...


(José Lindomar Cabral)

UM BEIJO

16/10/01

Um beijo seria o suficiente no passado
para reestruturar meu ego arrasado,
tornar-me-ia feliz com um simples toque de lábios
que seria recebido como água recebe um caminhante no deserto
Minh'alma arrebentaria de contentamento
pulsaria tão forte o coração dentro do meu peito
que certamente não o suportaria
Êxtase. essa é a palvra que eu usaria
mas negaram-me esse remédio
e tudo que consegui foram punhaladas.
A caixa torácica reduziu-se a frangalhos
e o coração que nela batia, de pedra se fez
para nunca mais sentir novamente alegria.
Negro agora são meus dias
meus olhos acostumados ao escuro
sofrem toda vez que novamente vislumbro
um sorriso cândido de mulher...

(Gokulesvara)

ADONAI!!! (Império!!!)

10/10/01

... Em verdade todos nós podemos ser
antenas receptoras da mensagem Suprema
Mas nem todos estamos posicionados
adequadamente de forma a receber
fiel transmissão.
E muitas vezes o que imaginamos ser inspiração, nada mais são que
frases distorcidas, reflexos pervertidos
da poesia Suprema.
Colocamo-nos acima de Deus pra
não dizer também dos homens
Achamo-nos criadores de algo nobre
dgnos de sermos lidos,
mas não passamos de usurpadores
antenas desconectadas desfigurando o Divino.
Como coletores de fezes, percorremos
nossas mentes, buscando belas palavras,
finos raciocínios.
Mas quanto mais nos adentramos esse inferno
menos descobrimos e mais nos enredamos...

(Gokulesvara)

JEH (Sabedoria)

10/10/01

O gamo saltou sobre o arbusto
e o caçador atento trespaçou-lhe o coração.
Ferido mortalmente o gamo segurou seu pranto
enquanto sorridente o caçador o alcançou.
Seus olhos se encontraram por um curto espaço de tempo,
tempo este que fo o suficiente para
ver-se o gamo nos olhos do caçador,
sentir pena de si próprio e morrer
foi tempo suficiente para ver o caçador
uma vida se esvaindo, e entender que
com um simples retesar do arco,
acabou-se o gamo, que nascerá livre,
ele sorriu...

(Gokulesvara)

PAX

27/09/01

Negros foram os dias passados
tristes são os segundos presentes
incertas as horas vindouras
negras noites, sob chuva tropical
tristes dias de um azul enervante
incerta tarde de frio cortante
negro rio atravessei a nado
tristes campos andei a esmo
incerta floresta penetrei sem medo
Dias negros, incertos e tristes
Noites frias, chuvosas, enervantes
campos, florestas, rios caudalosos
passos vagos
coração fraco
medo, morte
renascer...
necessito sim é de silêncio...

(Gokulesvara)

SHEOL!... (Inferno!...)

13/09/01

O grito estrangulado dos enforcados
os pés girando no vazio
marcando o compasso num ritmo macabro
seu sorriso arroxeado, sua lingua de fora
um adeus que sempre demora
uma fragmentação da vida que desfaz-se
num simples esticar de cordas e nada mais
a escada, o carrasco, o cadafalso
um tango, uma valsa, um xaxado
nada de passos complicados nesta passagem
nada de aplausos ao fim do ato
somente a corda a se apertar no pescoço
e os pés flutuando no espaço, solto
encontrando na morte, não um fim trágico
e sim um espetáculo, cai o pano...

(Gokulesvara)