terça-feira, 28 de junho de 2011

SONETO II

Quero o cetro de algum morto profeta,
quero o pó das velhas gavetas,
os chinelos de madrastas bregas
e ordenhar o Signo das Tetas,
um quebranto numas mesas velhas,
dois sofrer e à boca uma chupeta
sobre a pele do que não atesta
do que à bunda foram-me bochechas.
Sem querer da vida o amargo verme,
da tua boca o que não mais me serve,
da tua lembrança algum novo sofrer,
um querer-me sem o que foi meu
na função do mesmo eterno Deus
na crendice às vezes que não crer.

(Anderson Costa)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Adélia Prado- Parte 6


O VESTIDO


No armário do meu quarto escondo de tempo e traça
meu vestido estampado em fundo preto.
É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas
à ponta de longas hastes delicadas.
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,
meu vestido de amante.
Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.
É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada:
eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão.
De tempo e traça meu vestido me guarda.



(Adélia Prado)

Adélia Prado-Parte 5


FATAL

"Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma atriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso."



(Adélia Prado)

Adélia Prado- Parte 4


Neurolingüistíca


Quando ele me disse
ô linda,
pareces uma rainha,
fui ao cúmice do ápice
mas segurei meu desmaio.
Aos sessenta anos de idade,
vinte de casta viuvez,
quero estar bem acordada,
caso ele fale outra vez.


(Adélia Prado)

Adélia Prado-Parte 3


ENSINAMENTO

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

(Adélia Prado)

Adélia Prado-parte 2


COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa me casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos - dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

(Adélia Prado)

Adélia Prado- Parte 1


IMPRESSIONISTA


Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

(Adélia Prado)

sábado, 23 de abril de 2011

Diante do que não entendo

Sou limitado demais
para compreender
as fúrias e paixões
que movem os homens
e configuram
o enredo da vida.

Sou pequenino demais
diante do impassível tempo
que ás vezes escreve torto
em minhas linhas certas.
Por isso falo através da poesia,
onde posso ser múltiplo ou nulo.

Sou menino demais
para suportar as dores e apatias
desse triste mundo adulto.
Por isso protejo meu coração
em distantes ilhas
e castelos de pedra.

Países, cidades, lugares, pessoas
construíram minha identidade
de estrangeiro,
deram-me esta alma
de nômade,
a inquietude da dúvida.

Thiago Cardoso Sepriano

O BODE TOLO E UFANISTA, LEIA-SE, O NORDESTINO

... o nordestino (exceto raríssimas exceções
dentre as quais eu, obviamente, estou incluído)
costuma chamar-se a si mesmo de “cabra macho”,
leia-se, bode, haja vista que o macho da cabra
é o bode, e bode tolo e ufanista ainda por cima,
desses que além de deixarem que os políticos
os mantenham presos em currais eleitorais
ainda estufam, ufanos e irracionais, o peito
quando por ocasião da campanha eleitoral
o corno, filho da puta e ladrão deputado fulano
de tal bate à sua porta, ou melhor, vem até à porteira do curral
para vê se o dito, encurralado e caprino cujo
está pronto para ser levado eufemisticamente ao Paraíso
cujo nome não eufêmico é Matadouro...

Não, eu não tenho orgulho de ser nordestino...
Comigo, leitor, “o buraco”
(inclusive o que nós, suicidas,
fizemos irracionalmente
na camada de ozônio) é literalmente
lá em cima, entenda-se,
em vez de me orgulhar
de haver nascido no Nordeste,
eu sinto é vergonha de pertencer
a uma espécie cuja lúbrica Mãe Primordial
trocou a imortalidade do corpo
por uma banana alegórica,
banana sim, leitor, já que está provado
que o clima quente do Jardim
era inadequado ao cultivo das macieiras,
tanto das que produzem pênis e vaginas,
quanto das produtoras de maçãs propriamente ditas...


José Lindomar Cabral

ODE AO BOM HUMOUR DE MEU FÍGADO

... às vezes sou acordado de madrugada
pelas palavras excitadas e, preliminarmente,
me excitando, apalpando-me com suas cálidas
e ainda não modeladas mãos de vento,
querendo a todo custo fazer comigo algo
que se fosse no tempo em que o verbo sangrava,
ou melhor, não tinha voltado de novo a ser verbo,
seria chamado explícita e literalmente sexo...

E como já estou cansado de saber que não adianta
dizer que elas – as palavras – tenham santa paciência
porque o dia ainda está longe de amanhecer,
levanto-me, resignado, em geral com vontade de mijar
e, portanto, com o pau por acolá,
mas me dirijo primeiro à escrivaninha
(já que no meu caso escrever é uma necessidade fisiológica
mais urgente do que aliviar a bexiga, por exemplo)
e me ponho a fazer aquilo que se fosse na época
em que o verbo ainda era carne, chamar-se-ia foder
em vez de chamar-se escrever...

E, então, escrevo... escrevo... escrevo... escrevo... escrevo...
... até que meu fígado (dilacerado e bilioso) mas sempre
de bem com o humour, advirta visceralmente a caneta:
Pare, seu abutre esfomeado de uma figa!... Senão quando
a hora do almoço chegar, você vai ter apenas rins endurecidos
e algumas pedras (diz-se, cálculos renais) para beliscar...


José Lindomar Cabral

LÍNGUA DE PAU E PALATO DE PEDRA

... quando escrevo
(e só raramente Eu Prometeu acorrentado
a este Cáucaso chamado escrivaninha
não estou a escrever, digo, a ver meu fígado
sendo dilacerado pelo abutre transmetamorfo
denominado caneta, me rapinando
vulgo escrevendo, escrevendo, escrevendo)...

Porém, como estava dizendo:
quando escrevo,
costumo fazer tão convincentemente
de conta que tenho língua de pau
e palato de pedra
que as estrelas que outrora haviam
eufemisticamente no céu de minha boca
foram reduzidas, faz tempo
a pó estelar quase que propriamente dito
pelo impacto seco e replicante
da língua dura e ritmada
a bater secamente de encontro
ao referido, concreto, desestrelado
e eufêmico firmamento...

José Lindomar Cabral

Não identificado

Escrevo algo parecido
com uma margarida.
Basílica de Aparecida
Obra de Niemeyer
Um beijo de novela
do José Mayer.
Uma ilha
Brasília
O Rio em Janeiro
Frevo em Fevereiro
Qualquer coisa
sem direção
em busca de definição.

Thiago Cardoso Sepriano

segunda-feira, 28 de março de 2011

Documentário Cassiano Ricardo - Parte2 (por Daniel Megda)


 TESTAMENTO

Deixo os meus olhos ao cego
que mora nesta rua.
Deixo a minha esperança
ao primeiro suicida.
Deixo à polícia o meu rasto,
a Deus o meu último eco.
Deixo o meu fogo-fátuo
ao mais triste viandante
que se perder sem lanterna
numa noite de chuva.
Deixo o meu suor ao fisco
que me cobriu de impostos;
e a tíbia da perna esquerda
a um tocador de flauta
para, com o seu chilreio,
encantar a mulher e a cobra.
Às coisas belas do mundo
deixo o olhar cerúleo e brando
com que, nas fotografias,
as estarei, sempre, olhando. . .
Aos noturnos assistentes
de última hora — aos que ficam,
o sorriso interior e sábio
que nunca me veio ao lábio.


(Cassiano Ricardo)

Documentário Cassiano Ricardo - Parte1 (por Daniel Megda)


A flauta que me roubaram

Era em S. José dos Campos.
E quando caía a ponte
eu passava o Paraíba
numa vagarosa balsa
como se dançasse valsa.
O horizonte estava perto.
A manhã não era falsa
como a da cidade grande.
Tudo era um caminho aberto.
Era em S. José dos Campos
no tempo em que não havia
comunismo nem fascismo
pra nos tirarem o sono.
Só havia pirilampos
imitando o céu nos campos.
Tudo parecia certo.
O horizonte estava perto.

Havia erros nos votos
mas a soma estava certa.
Deus escrevia direito
por pequenas ruas tortas.
A mesa era sempre lauta.
Misto de sabiá e humano
o vizinho acordava
tranqüilo, tocando flauta.
Era em S. José dos Campos.
O horizonte estava perto.
Tudo parecia certo
admiravelmente certo.



(Cassiano Ricardo)

Dos amores constantes...

E eu quero em teus abraços adormecer
Para em teus braços acordar.
No balanço do mar me encantar
E no fundo ver o amor me acenar

A viver mais um fim de tarde, um dia a mais
e uma nova vida ao teu lado um novo rapaz
E eu quero de ti poder gostar sem mais nada temer
No teu abraço me esbaldar no teu beijo me socorrer

Pra sempre ser feliz,
sempre feliz ser,
Feliz sempre ser,
ser feliz sempre,
sempre!

Soneto do amor verdadeiro
E eu quero em teu jeito saciar minha fome de amor reprimida
Costurar os rasgos de um coração
Curar toda dor de minha ferida
Te amar por inteira, esquecer a completa escuridão

Eu quero a ti o melhor ser
Ser causador de tua felicidade
Quero todo amor seu ter

De tua maior saudade ser o primeiro
De você ser o melhor companheiro
De ti ser por inteiro
Ser teu o teu amor mais verdadeiro

Contigo viver a mais bela historia
Te dar os melhores momentos
Viver sempre em tua memória

(JJr Couto)

PARA NÃO RIMAR AMAR COM ALMÓDOVAR

... só depois de haver adquirido maturidade
(aquisição esta alcançada antes de conquistar algumas rugas,
sim rugas são conquistas)
foi que pude então compreender
que amar não é coisa de meninos, quer dizer,
não é brinquedo, haja vista que o amor queima mesmo
qualquer um que, amando, não esteja preparado
para lidar com o fato de que o amor, ao contrário
da paixão que não for segundo G.H., é fogo eterno,
perpétuo e não uma efêmera chamazinha
que permanece infinita somente enquanto
dura a efemeríssima palha fumacenta que a alimenta,
uma vez que confessar, por exemplo,
“deixei de amar fulano(a)”
não passa de uma eufêmica e anestesiadora expressão
por meio da qual o sujeito procura proteger-se
da dor que emana da compreensão apenas inconsciente
de que o amor que o inspirara a amar alguém
em vez de haver se extinguido, na verdade, acabou
achando-o aquém, leia-se, verde demais para a missão
de desatar o outro, e por isso imigrou de corpo
a procura de um coração desatado e/ou preparado
inclusive para usar suas próprias cordas
de maneira que as mesmas pruduzam harpejos,
não amarração, entenda-se, um coração apto
para não rimar amar com Almódovar,
ou seja, para não rimar amar com atar...

(José Lindomar Cabral)

ODE AO PRAZER QUE ESCREVER ME DÁ

... porra, Clarice, porrra!!!...
Eu que devia ter lispectormente escrito
" Eu sei muito pouco,
mas tenho a meu favor tudo que não sei"
(e acrescentado:)
e por isso escrevo... escrevo... escrevo...
... porque, pra mim, o ato de escrever,
apesar de doer,
me dá mais prazer
e é mais difícil de me abster
do que fazer eufemisticamente amor,
do que comer, do que viver
(e ‘fazer eufemisticamenter amor’
porque amor não se faz,
muito pelo contrário, é o amor
que nos faz
inclusive melhores
e um pouco mais racionais que os animais)...

(José Lindomar Cabral)

domingo, 20 de março de 2011

7° Selo

Quis o destino que eu descesse poeta na Terra.
Despenquei.
Todos os poemas são tortos até que uma alma atenta os acolha.
Foi quando, com um lápis preto
Desenhei o maior arco-íris colorido em mil tons no céu.
Apenas os anjos disseram amém. Minha mãe disse: Até quando?
Insisti na sina.
Continuei carimbando almas e fatos
Mesmo quando descobri no meu povo homens dormindo
Sobre campos minados de raiva.
Poesia é assim mesmo: não dá dinheiro, dá trabalho.
Uma dor de cabeça forte que agrada
Me embriaga a alma e faz ver coisas
Que Deus escondido prefere manter.

(Rogério Germani)

Vazio

É noite...
Ratos se acasalam nos esgotos
e como parabólica antena
na solidão segura do quarto ouço os grunhidos bestiais.
Com o vento , a cortina se agita
minha alma precipita-se a cortejar a lua frígida
Quase ouso saltar a janela
para enterrar na calçada meu último verso
mas nesta noite a poesia me traiu...
nenhum corpo me aquece
minha taça está vazia feito meu coração estilhaço.
de tantos buracos, minha vida virou cortiça.

(Rogério Germani)

Parto para outra

a Ferreira Gullar

a pureza dos nomes sujos
lava a honra
as desgraças da vida- flor sanativa
que nunca cauteriza.
Gritar:
Sou brasileiro!, é paliativo
quando quem primeiro come é outro idioma
e ninguém mais recebe
pedaços de sonho para sonhar.

Desigualdade!
Palavra mais feia nunca vi,
mas arde real nos ouvidos
no peito chiado de bronquite, haxixe e outros
desamores

coisa esquisita: mostrar educação
de lorde e
logo em seguida
levar na bunda um chute da pátria.

Melhor seria não ter nascido,
ter ficado sozinho em casa com o dedo
no gatilho
e a alma presa na descarga.

(Rogério Germani)

As flores

Espera entorpecida de cães
a carruagem repleta de versos-estrume
prévia cultura das flores futuras
nasce num poema os odores de uma morna estação
entrelaçada em asas de manhã e sonho;
a palavra alça vôo
para acariciar num bofete as faces do dia
a teologia rude que alimenta os olhos
como pomos talhados em luz.

Numa jarra, longe dos pêlos caninos,
moucas aos humanos ganidos,
adornando a tempestade as flores aguardam o momento
de submissas saudarem o silêncio.

(Rogério Germani)

Noturno

a Gabriela Mistral


tabletes de trevas
iluminam mais os meus pés
que a volúpia das águas- chama marinha;
iluminam o canto e o mundo
com seus versos de límpido adorno,
iluminam os homens que brotam das sombras.

Das árvores escuras e espessas
onde guardam os seus sonhos as claras estrelas,
meu brado alcei:
lágrimas e flores colhi em camponesa alma
e, entre árduos mineiros e letras errantes,
a filha encontrei
amamentando os séculos e os anjos num peito aberto
[ de etérea mãe.

(Rogério Germani)

VERSOS LIVRES

... olho para os que hoje em dia
escrevem versos metrificados
(e ainda empinam o nariz por causa disso)
como o mesmo olhar horrorizado e reprovador
com que olharia para alguém que atualmente
passasse a tratar os negros
(oh, perdão, os “afro-ascendentes”)
como se a Princesa feia, frígida, altiva,
insossa, digo, desgostosa, preconceituosa e racista
(a tal e desprovida de sal e glacial Isabel) nunca tivesse
sido forçada – por nebulosas, hipócritas
ou ocultistas razões históricas – a assinar
a “lei de ouro” (ouro obviamente falso, eufêmico)
por meio da qual a Maçonaria Internacional
fez com que a camaleoa escravidão
mudasse de cor, tornando-se policrômica
ou multirracial, e assumisse a partir de então
a forma generalizada (empregado versus patrão)
contra a qual não existe abolição...


(José Lindomar Cabral)

Nuvem Passageira

Do céu cai a chuva leve
Uma nuvem passageira!
Num período curto, breve
Molha as folhas da laranjeira

Terra seca, solo rachado
Sol torrando a plantação
Poucos pingos no serrado
Não aparentam solução!

(Franck Stacke Ferreira)

E ELAS - AS PERNAS ENSEBADAS DA POESIA – ME ALCANÇAM MESMO

... quando estou escrevendo, me divirto à beça
procurando superar A Poesia
(pois não preciso dela para produzir notícias da alma,
vulgo escrever poemas)
passando, de propósito e de repente, a deixá-la para trás
ao aumentar a velocidade e a tensão
por meio das quais me ponho, de súbito,
a desenrolar e esticar o fio da meada ou tema,
de maneira que ela – A poesia –
que ainda a pouco estava a fazer
amor comigo na escrivaninha, ao ver-me,
desabalado, lá na frente, põe-se imediatamente
(e às pressas) a vestir a preta e afrodisíaca calcinha
de renda, a meter-se com rapidez espantosa na negra
e excitante camisola que sabe a amora,
que já fora folha de amoreira
(entenda-se, a negra e excitante camisola de seda),
passa sebo vaginal nas canelas, e só mesmo ela
para conseguir driblar o tradicional erro gramatical
gritando : “Pernas, quero que vocês alcancem já
o Lindomar!”; em vez de gritar: Pernas, pra que te quero!”
E elas – as ensebadas pernas da Poesia – me alcançam mesmo...


(José Lindomar Cabral)

UM BEIJO

16/10/01

Um beijo seria o suficiente no passado
para reestruturar meu ego arrasado,
tornar-me-ia feliz com um simples toque de lábios
que seria recebido como água recebe um caminhante no deserto
Minh'alma arrebentaria de contentamento
pulsaria tão forte o coração dentro do meu peito
que certamente não o suportaria
Êxtase. essa é a palvra que eu usaria
mas negaram-me esse remédio
e tudo que consegui foram punhaladas.
A caixa torácica reduziu-se a frangalhos
e o coração que nela batia, de pedra se fez
para nunca mais sentir novamente alegria.
Negro agora são meus dias
meus olhos acostumados ao escuro
sofrem toda vez que novamente vislumbro
um sorriso cândido de mulher...

(Gokulesvara)

ADONAI!!! (Império!!!)

10/10/01

... Em verdade todos nós podemos ser
antenas receptoras da mensagem Suprema
Mas nem todos estamos posicionados
adequadamente de forma a receber
fiel transmissão.
E muitas vezes o que imaginamos ser inspiração, nada mais são que
frases distorcidas, reflexos pervertidos
da poesia Suprema.
Colocamo-nos acima de Deus pra
não dizer também dos homens
Achamo-nos criadores de algo nobre
dgnos de sermos lidos,
mas não passamos de usurpadores
antenas desconectadas desfigurando o Divino.
Como coletores de fezes, percorremos
nossas mentes, buscando belas palavras,
finos raciocínios.
Mas quanto mais nos adentramos esse inferno
menos descobrimos e mais nos enredamos...

(Gokulesvara)

JEH (Sabedoria)

10/10/01

O gamo saltou sobre o arbusto
e o caçador atento trespaçou-lhe o coração.
Ferido mortalmente o gamo segurou seu pranto
enquanto sorridente o caçador o alcançou.
Seus olhos se encontraram por um curto espaço de tempo,
tempo este que fo o suficiente para
ver-se o gamo nos olhos do caçador,
sentir pena de si próprio e morrer
foi tempo suficiente para ver o caçador
uma vida se esvaindo, e entender que
com um simples retesar do arco,
acabou-se o gamo, que nascerá livre,
ele sorriu...

(Gokulesvara)

PAX

27/09/01

Negros foram os dias passados
tristes são os segundos presentes
incertas as horas vindouras
negras noites, sob chuva tropical
tristes dias de um azul enervante
incerta tarde de frio cortante
negro rio atravessei a nado
tristes campos andei a esmo
incerta floresta penetrei sem medo
Dias negros, incertos e tristes
Noites frias, chuvosas, enervantes
campos, florestas, rios caudalosos
passos vagos
coração fraco
medo, morte
renascer...
necessito sim é de silêncio...

(Gokulesvara)

SHEOL!... (Inferno!...)

13/09/01

O grito estrangulado dos enforcados
os pés girando no vazio
marcando o compasso num ritmo macabro
seu sorriso arroxeado, sua lingua de fora
um adeus que sempre demora
uma fragmentação da vida que desfaz-se
num simples esticar de cordas e nada mais
a escada, o carrasco, o cadafalso
um tango, uma valsa, um xaxado
nada de passos complicados nesta passagem
nada de aplausos ao fim do ato
somente a corda a se apertar no pescoço
e os pés flutuando no espaço, solto
encontrando na morte, não um fim trágico
e sim um espetáculo, cai o pano...

(Gokulesvara)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Contra moinhos de vento

Em tempos longínquos imperados pelo poder das espadas,
A consagrar cavaleiros vitoriosos à custa do sangue derramado,
Diante de infinitas batalhas travadas por razões obscuras,
Pelo fútil egoísmo em medir a força de vaidosos guerreiros,
Ambiciosos pela ilusão do poder sobre os outros homens,
Numa imperceptível diferença entre todas as eras da evolução.
Seguindo caminhos por léguas distantes, aqui estou,
Cavaleiro andante, um herói às avessas tachado de louco,
Louco por acreditar e perseguir ideais impossíveis,
Enfrentando temíveis dragões por entre montanhas e abismos,
De onde os tolos vêem apenas moinhos de vento.

Enxergo muito além do que meus olhos podem ver,
Resgatando a beleza oculta em que tantos vêem ruínas.
Não temo o impossível, e vivo a tentar decifrá-lo,
O considero apenas uma palavra que aguarda tradução,
Usada pelos fracos para diminuir o tamanho de suas derrotas.
Creio na pureza e simplicidade do amor verdadeiro,
Ainda que meu coração tenha sido tantas vezes golpeado.
Não creio na existência de um desejo impossível,
Existem apenas pessoas incapazes de lutar por aquilo que sonham.
A verdadeira derrota não está na queda, está na recusa em levantar-se.

Jamais me entrego sem lutar e alcançar meu último limite,
Como um pássaro que voa até o extremo da imensidão do céu.
Firmei incontáveis passos até este solo onde estou,
Desafiando a força de grandiosos e astutos inimigos,
Até descobrir o mais perigoso de meus adversários,
Invisível e traiçoeiro, eis frente a mim meu próprio ego,
Criador de tentações tão avassaladoras como redemoinhos.
Sempre mantive meu olhar voltado à linha do horizonte,
Trilhando pedras e espinhos na eterna procura pela felicidade,
Até descobri-la dentro de mim, nas lacunas do meu coração.

Marlon Alves – 25 de Janeiro de 2011.

PARA ALÉM DO “AMOR QUE FICA”

... sou alguns, não poucos, dentre estes, alguém vário e sozinho
para quem a poesia é também fonte de infelicidade
apesar de me proporcionar fisiologicamente
um pouco de conforto, pois quando estou escrevendo
sinto um alívio muito parecido com aquele
que a gente sente esvaziando a bexiga
(de pau mole, obviamente, haja vista
que mijar de pau duro, além de complicado
é incômodo p'ra caralho)...

Dizer, agora, que, ao escrever, estou a fazer
minha própria análise (e estou mesmo)
é algo que me dissolve, esferografica, metamorfoseia
uma vez que me metamorfosear em tinta me vernacula,
liquefaz e paradoxalmente me concretiza,
mas não não não me resolve nem exorcisa...

Não obstante, não me dessabora saber
que, sendo, que autoconhecendo-nos
pelo menos deixamos
(eu e meus arquétipos) de ser
uma questão para ser resolvida por Shakespeare
e que Freud, feliz ou infelizmente,
não nos explica, haja vista que ele – Freud –
entendia muito era do “amor que fica”,
amor este, que, segundo Chico Buarque “é amor de pica”...


(José Lindomar Cabral)

"Outrora fostes radiante"

Folhas secas caem
sobre o vento frio e brando
castigadas pelo tempo
secas de sentimento
seu grito se ouve ecoar
na velha praça ao relento
castigadas pelos pés
de um certo desatento
lágrimas secas molham
o velho banco dos lamentos
na antiga praça dos bohemios
gotas de um passado
em um choro presente
secam ao tocar a face
estendida na terra quente
marcas que viram feridas
que exalam solidão
lamento na velha praça
folhas secas aglomeradas
ao chão...

(João Lourenço)

FILHO BASTARDO

02/11/01

É este meu corpo um vasto universo
onde reinos microscópicos se levantam
no meu sangue habitam não sei quantos
nos meus ossos número igual de origens diversos

Mesmo morto é este corpo um paraíso fértil
onde vermes proliferam aos milhares
são filhos bastardos dos corpos que se desfazem
progênie hedionda de um pai estéril

Assim carregam nossos universos em caixões
cárceres lúgubres aptos a expansões
gerando vida apesar de morto
No pasto fértil a qual chamamos corpo!

(Gokulesvara)

FRAGMENTOS DO TEMPO

Muitos comparam o tempo com um livro
ao qual viramos uma página a cada dia,
nada mais irreal, absurdo difícil de aceitar,
pois cabe ao tempo pro homem se acabar
e nunca mais, o que foi hoje, amanhã será.
Enquanto que um livro lê-se hoje o amanhã
e amanhã, o hoje pode ser relido...
... Exige a arte tanto do fiel, como do criador
o máximo que a vida nos permite,
sonhos, dedicação, observação e equilíbrio
é um livro muito delicado e comprido
e que agora ajudamos a ser composto;
mas não serão seus capítulos relidos
pois passou-se o tempo, e o tempo esvaído
não há de ser reconquistado, como se
fossem as simples páginas de um mísero livro
e sim acabar-se-á com a morte do herói,
ou a derrota do perverso inimigo!
São nossas nefastas vidas, exóticos livros
apócrifos, proscritos, pervertidos e ilusórios,
são fragmentos do tempo, que passa incisivo,
derrubando muralhas, alagando desertos
fazendo ecoar sua fúria nos mais
longínquos infernos,
e ele nunca recua, e com seu avanço
avança a nossa ruína,
é nosso corpo apodrecendo numa esquina
e nossa alma num leilão sendo vendida,
O preço?
Dê o que resta na sua bolsa,
suas canetas, seus cadernos e seus livros
uma boa história, ou uma estrondosa mentira!

(Gokulesvara)

PASSADO PELO INFERNO

Olho para a poesia de Rimbaud
com admiração moderada
e enxergo nela a poesia
(e não A Poesia)
fulgurante de um garoto interrompido
(e não de um deus)
que foi visitado pelo inferno
numa idade
em que os outros garotos
de sua geração achada
ainda não sabiam direito
de que lado - se à direita ou a esquerda
do ilíaco- deveriam pendurar o pênis,
dilema este que me levou prematuramente
aos onze anos a passar
uma temporada no mundo subterrâneo
ou melhor, digamos assim
foi o inferno
que passou uma temporada em mim...


(José Lindomar Cabral)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

SE EU FOSSE FILHO DE OSÍRIS

... se eu fosse, Osíris, seu filho
(que Deus me livre, guarde e defenda)
eu cortaria seu falo descomunal
e considerado esotericamente sagrado
e o atiraria aos homens da mais exímia e musical
das corrocinhas, que é aquela que costuma
pegar "3 cahorros de uma vez"
para que assim a miséria fosse tirada
da barriga dos cães, antes que deles
alguém exclamasse: Tem pêlo de cão nesse sabão!...


(José Lindomar Cabral)

GRITE

... toda vez que a inevitável, porquanto fisiológica
necessidade de escrever um poema faz com que,
desinspirado,
me achegue a essa espécie eufêmica de cama
que os incautos dos poetas pseudo denominam
de escrivaninha, sem nem sequer está ainda
sendo bolinado por um tema, invariavelmente
(embora invariavelmente nem sempre)
sou visitado
pela acordada - apesar de onírica - impressão
de que a virgem e feminima folha de papel
em geral A4, já de pernas nervosamente abertas
olha para minha nudez, esbugalha os olhos,
empalidece e diz: Devagar, Lindomar, senão eu grito...


(José Lindomar Cabral)

Violácea Nebulae

Onde não se pode ouvir o som que fazem as estrelas
Mas onde se pode sentir o tom que vem do coração
O sentido uníssono nos prende ao mais puro dom
Seguimos com desejo de nos unir ao bom.

Sem angústias, movido pelos meus desejos de criança
Vago pelos limites de onde o homem não ousou ir
A nebulosa violácea me convida para um passeio
A passagem de uma estrela cadente aumenta meu anseio.

Como em um berro de um recém-nascido bebê estrelar
Ecoa no cosmos, a mais pura energia que pude perceber
Uma complexa sinfonia sideral chama minha atenção
Satélites e asteróides com força, arrastam-me a ver.

Perduro com exatidão buscando corrigir minha imperfeição.
Luna e Solaris convincentes, se arriscam num palpite:
Olhe ao redor de seus desejos mais ocultos e logo verá
Ao nascer da última estrela marcada, perfeito você estará.

(Sandra Vaz de Faria e Rafael Jankovits de Oliveira)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

CARAMINHOLAS

Minha insistência em descer é a essência do meu mal,
não encontrando coerência no que me enreda, mas
tão-somente na cicuta, benévola às minhas aspirações,
às minhas esperanças em cinzeiros, recheadas de homens
e mulheres petrificados, ao redor de uma foz turva,
enchendo-me de socos e porradas, sorrindo às crenças
de outrora, de alfarrábios vindo em século vil, de uma fé
feita do que foi senhora e do que goza ao podre, à frente
do que é cosido em bestialização, deteriorando manhãs
na solidificação das sezões de duas cabeças. Embora insista
ao esgoto e às ratazanas, prefiro a chuva, sonhar quimeras
alheias, rasurar cancros em paredes, sem oferendas a oferecer,
sem a cobrança de dízimos santificados, mas apenas sonhar,
já que mortificado estou sob este telhado de fardos, sustentado
por pilares de desconhecidos, na persuasão dos eloquentes.
Nessa sisudez me admito, e para quê sorrir? Para fingir
auto-ajuda? Arre! Sorriam para mim os apodrecidos pelos contratos
e paradigmas, os leprosos e cancerígenos, pois é o que somos
caro poeta, caro misantropo, somos as vísceras dos humanos vazios
e abastados do tudo que é nada.

(Anderson Costa)

Sortilégio

Quantas mais doidas faces
adentrarem meus nervos
a dizerem-me “marche”!,
mais longe de mim mesmo
entoarei sons acres
no lembrar de um beijo,

às penhoras das fisionomias
e do esboço sem perfil,
às mais roucas viuvinhas
de um fígado sem til,
ou a bênção das madrinhas
como enfeite feito vil.

Embora às unhas das senhoras
me asseio em dossiês,
ainda há alcunhas novas
entre as regras dos porquês,
misericórdia de umas bossas,
sortilégio do que crer,

das datas de algum lirismo,
de Dante ao verso machadiano
ressurjo no solar dos ímpios,
nascendo lavra de gadanho,
lacaio dum pobre distinto,
às laias tuas me apanho.

(Anderson Costa)

Bichos de Asas

 Nós somos os homens sujos
Os vira-latas de rua
Os seres iluminados
Refletindo a luz da lua
Somos os anjos caidos
Vagando de bar em bar
Somos animais perdidos
Estamos longe do lar
Nós somos gente sem casa
Nós somos bichos de asas
E precisamos voar
Temos habitos noturnos
Não somos coisa que preste
Somos o dragão celeste
Ferido por uma lança
Ainda somos crianças
Mas somos seres do ar
Carregados pelo vento
Somos frágeis sonhadores
Suportamos nossas dores
E tormentos
Calados
Nós estamos estragados
Por dentro
E até cheiramos mal
Nós somos homens guiados
Pelo instinto animal
E por nossos sentimentos.

(Cleiton)

PASSAPORTE PARA A ETERNIDADE

... eu também, Kundera,
além de ser interiormente
um ser leve e insustentável,
tenho adquirido meu “passaporte
para a eternidade - os arquivos da polícia”...


(José Lindomar Cabral)

Gramática do mal

Palavras são sinceras
Quando sentimento se torna
Rarefeito n’atmosfera
Da vida que a alma forja

Verbos castigando
Em noites frias
Sempre flexionando
Esta vil melancolia

Substantivo não há que possa
Nomear importuna dor
Que sempre ao romper d’aurora
Planta urtiga invés de flor

Adjetivado o caos se expande
Energicamente caótico
Quando advérbios de sangue
Se tornam psicotrópicos
 
(Wagner Guimarães) 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Distraídos Venceremos (Paulo Leminski)


Distraídos Venceremos, publicado em 1987, é um livro de poesia de Paulo Leminski.
O livro é dividido em três capítulos. O primeiro leva o nome do livro, “Distraídos Venceremos”, e inclui grande parte dos poemas da edição, principalmente os metapoemas, ou seja, poemas em que a temática é o próprio poema. No segundo capítulo, “Ais ou menos”, Leminski apresenta versos de vida, espaço e tempo, falando sobre as coisas que sobrevoaram o ar dos seus dias, que se misturaram à poeira do chão de sua casa. Em “Kawa Cauim”, última seção do livro, o poeta apresenta uma série de haicais.


Artigo extraído do site Wikipédia.

A Lua no Cinema


A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!

(Paulo Leminski)



DESENCONTRÁRIOS


Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.


(Paulo Leminski)


ALÉM ALMA
(UMA GRAMA DEPOIS)

Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?
Mais me parece um relógio
que acaba de enlouquecer.
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?

(Paulo Leminski)



Download do livro:












sábado, 29 de janeiro de 2011

Entrelinhas - Patativa do Assaré.





ABC do Nordeste Flagelado

A — Ai, como é duro viver
nos Estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover.
É bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar,
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto,
com o olhar de penitente;
o fazendeiro, descrente,
um jeito não pode dar,
o sol ardente a queimar
e o vento forte soprando,
a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,
como os trapos de um lençol,
pras bandas do pôr do sol,
as nuvens vão em fracasso:
aqui e ali um pedaço
vagando... sempre vagando,
quem estiver reparando
faz logo a comparação
de umas pastas de algodão
que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,
vem da montanha um agouro
de gargalhada e de choro
da feia e triste cauã:
um bando de ribançã
pelo espaço a se perder,
pra de fome não morrer,
vai atrás de outro lugar,
e ali só há de voltar,
um dia, quando chover.

E — Em tudo se vê mudança
quem repara vê até
que o camaleão que é
verde da cor da esperança,
com o flagelo que avança,
muda logo de feição.
O verde camaleão
perde a sua cor bonita
fica de forma esquisita
que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta
o bonito sabiá,
quando flagelo não há
cantando se manifesta.
Durante o inverno faz festa
gorjeando por esporte,
mas não chovendo é sem sorte,
fica sem graça e calado
o cantor mais afamado
dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta
e dali desaparece,
o sabiá só parece
que com a seca se encanta.
Se outro pássaro canta,
o coitado não responde;
ele vai não sei pra onde,
pois quando o inverno não vem
com o desgosto que tem
o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau
de lá de dentro das grotas,
manda suas feias notas
o tristonho bacurau.
Canta o João corta-pau
o seu poema funério,
é muito triste o mistério
de uma seca no sertão;
a gente tem impressão
que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor,
a gente sente fugir,
tudo parece carpir
tristeza, saudade e dor.
Nas horas de mais calor,
se escuta pra todo lado
o toque desafinado
da gaita da seriema
acompanhando o cinema
no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça
dos animais do Nordeste;
com a seca vem a peste
e a vida fica sem graça.
Quanto mais dia se passa
mais a dor se multiplica;
a mata que já foi rica,
de tristeza geme e chora.
Preciso dizer agora
o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado
o coitado camponês
porque tanto esforço fez,
mas não lucrou seu roçado.
Num banco velho, sentado,
olhando o filho inocente
e a mulher bem paciente,
cozinha lá no fogão
o derradeiro feijão
que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira,
diz ele, vamos embora,
e depressa, sem demora
vende a sua cartucheira.
Vende a faca, a roçadeira,
machado, foice e facão;
vende a pobre habitação,
galinha, cabra e suíno
e viajam sem destino
em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte
sai aquela pobre gente,
agüentando paciente
o rigor da triste sorte.
Levando a saudade forte
de seu povo e seu lugar,
sem um nem outro falar,
vão pensando em sua vida,
deixando a terra querida,
para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião
de deixar mãe, deixar pai,
porém para o Sul não vai,
procura outra direção.
Vai bater no Maranhão
onde nunca falta inverno;
outro com grande consterno
deixa o casebre e a mobília
e leva a sua família
pra construção do governo.

P - Porém lá na construção,
o seu viver é grosseiro
trabalhando o dia inteiro
de picareta na mão.
Pra sua manutenção
chegando dia marcado
em vez do seu ordenado
dentro da repartição,
recebe triste ração,
farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento,
quando há seca no sertão,
procura uma construção
e entra no fornecimento.
Pois, dentro dele o alimento
que o pobre tem a comer,
a barriga pode encher,
porém falta a substância,
e com esta circunstância,
começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente
fica a pobre criatura
e a boca da sepultura
vai engolindo o inocente.
Meu Jesus! Meu Pai Clemente,
que da humanidade é dono,
desça de seu alto trono,
da sua corte celeste
e venha ver seu Nordeste
como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro
sofre o velho, sofre o moço,
não tem janta, nem almoço,
não tem roupa nem dinheiro.
Também sofre o fazendeiro
que de rico perde o nome,
o desgosto lhe consome,
vendo o urubu esfomeado,
puxando a pele do gado
que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste
este fardo tão pesado,
no Nordeste flagelado
em tudo a tristeza existe.
Mas a tristeza mais triste
que faz tudo entristecer,
é a mãe chorosa, a gemer,
lágrimas dos olhos correndo,
vendo seu filho dizendo:
mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar
quem for reparar de perto
aquele mundo deserto,
dá vontade de chorar.
Ali só fica a teimar
o juazeiro copado,
o resto é tudo pelado
da chapada ao tabuleiro
onde o famoso vaqueiro
cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato,
a abelha zumbindo voa,
sem direção, sempre à toa,
por causa do desacato.
À procura de um regato,
de um jardim ou de um pomar
sem um momento parar,
vagando constantemente,
sem encontrar, a inocente,
uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora
na grande árvore copada,
vendo a floresta arrasada,
bate as asas, vai embora.
Somente o saguim demora,
pulando a fazer careta;
na mata tingida e preta,
tudo é aflição e pranto;
só por milagre de um santo,
se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão
dardeja o sol inclemente,
cada dia mais ardente
tostando a face do chão.
E, mostrando compaixão
lá do infinito estrelado,
pura, limpa, sem pecado
de noite a lua derrama
um banho de luz no drama
do Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei
aquilo que observei;
tenho certeza que dei
aprovada relação.
Tudo é tristeza e amargura,
indigência e desventura.
— Veja, leitor, quanto é dura
a seca no meu sertão.


(Patativa do Assaré)

Uma verdade gritante

Me pegue, se gosta de mim

E se assim não for, apague

O que sobrou daquele sim

Que respondia sua proposta

Como a verdade imposta.



Se estiver satisfeita com amor

Não me deixe a desfeita de ir-se

Sem ter sequer motivo ou ardor

Que incomode sua pessoa para se

Levar pela verdade imposta.



Sei enfim que encontrará

Aqui perto ou no recanto do estudo,

Acolá ou em qualquer outro lugar,

Um merecedor que certamente fará

De seu peito inflado em escudo,

Proteção para uma paixão de altar,

E se dele você me dizer que gosta

Eu deixo você pela verdade imposta.

(Ivan Lantyer Neto)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Os três mosqueteiros

Somos os três mosqueteiros,
Aventurando-se pela noite,
O nosso peito flamejante,
Sempre a sentir um calvário.

É que realmente não temos nada,
Tem hora quão estamos estafantes,
De procurar um eterno deleite,
E andar pelas mesmas veredas.

Mas não somos os três mosqueteiros?
Esse ano tem tudo para ser diferente,
Um pouco mais proeminente,
Só temos que tomar cuidado com o tédio.

Para não se perder por esses caminhos,
Um tanto quanto obscuro,
Onde o término é o monturo,
Colocando em risco todos nossos sonhos.

(Henrique)

O que pode cada um

Atraso do estudante
do professor
dos homens...

Doente todo dia
a se entregar
a se calar

Acaso do político
do lixeiro
dos safados

Cada um como aprouver...
Bem errado,
pago se eu quiser

alguém pra me tratar!

(Anorkinda)

Libélula

Na plenitude de um olhar, as palavras mudas
Formavam uma agradável canção aos ouvidos
Deusa de candura e luz
Enquanto os braços se envolviam na agitação
Logo, os lábios se uniram em uma química
Superior a de qualquer vaga teoria,
Pois aquelas duas matérias tinham uma
Reação única, complexa, inexplicável.


Em princípios de um amor
Era o despertar de mero sonho acordado,
Perfeito e repleto de sombras de belas ilusões!
No peito, faz manifestação
Uma sensação de agonia quando distante
De conforto quando se aproxima:
Adormeço desabitado
Com o paladar do acerbo passado
E pela janela me entristeço
Ao olhar o falso brilho do luar
E saber que a sombria libélula
Como a pluma no vento paira e desaparece.


Céus e estrelas, crepúsculo enfeitiçado
Por sobre nuvens afáveis, um último suspiro:
Que os olhos sejam como a alvorada da primavera
E que os corações conservem o fogo do entusiasmo
Cresça o sublime sentimento do instante
E se torne imortal como o inexplicável sonho carente
De te abraçar em meio à plenitude e inquietação
De te desejar a cada passo incerto que transpor
Uma vez que te amar componha a maior verdade.

(Davi Fernandes)

VIVO E VIVA

Despe-te do teu luto
Pois, pelo que está vivo
Ainda luto até o sangue

Tira a tarja negra
Já que o coração pulsa
E meu pulso é forte na lida
Até a última gota de suor

Acenda a vela
Pra espantar o breu
Porque o amor ainda respira
O carinho corre nas veias
É por aquilo que se nega
Que oferto toda minha lágrima

Janete do Carmo
061210

Ode ao Sol, uma paixão pelos seus raios

Dia de sol deixa seu lume

Traga amanha sem tardança

Outro perfume de esperança

Que acorde a me alumiar!



Faça valer toda as chances

Que dei ao teu louco coração

Não estou para esses lances,

O povo vai na contra-mão!



Deixe comigo os seus raios

Fique mais leve pra dançar

Cante e encante os lacaios



Se entregue a me queimar,

Pois sei de todo o seu louvor

Ornamento raro de um amor.

(Ivan Lantyer Neto )

╰☆╮ Janete╰☆╮ Não Mora Mais Aqui

.
... agora você, de certa forma
tornou-se igual a Alice,
não a que desceu ao inferno
e o apreciou
tanto que o denominou
de "O País das Maravilhas", mas a outra
aquela que quando os credores
perguntavam por ela, os senhorios
respondiam: "... não mora mais aqui".

Hoje, Janete, seria seu aniversário,
porém, aí onde você, imaterial,
passou a morar para sempre,
tempo não há, e, portanto,
não se comemora níver
uma vez que alma,
quer penada, quer redimida
não nasce: alma Deus fabrica...


(José Lindomar Cabral)

sábado, 15 de janeiro de 2011

Entrevista com Mário Quintana em 1988 (Em duas partes)

PRIMEIRA PARTE

Os anos são apenas linhas imaginárias. E as pessoas é que devem decretar quando estão na flor da idade, disse o poeta Mário Quintana, ao fazer 82 anos em 30 de julho de 88. Nesta entrevista, feita na épca, ele não comemora a idade - fala de política, religião, literatura, esperança. E, sem medo da morte, comemora o próprio vigor, anunciando novas obras, entre elas quatro livros infantis.

Por HERMES RODRIGUES NERY

Tenha-se em mente que o que é notável na obra do poeta gaúcho Mário Quintana- que hoje completa 82 anos de idade -é a recusa de uma visão amarga do mundo. Em sua poesia não existem neuroses, a esperança é o seu leit motiv. Nele próprio, nascido em Alegrete e morador quase toda a vida em Porto Alegre, tudo é solto, descontraído, informal. O que faz sua obra ser admirada por pessoas de qualquer idade, e o homem ser cercado de carinho até por pessoas que talvez nem o conheçam. Esse carinho por Mário Quintana percebi assim que cheguei a Porto Alegre para entrevistá-lo. Pouco antes, comprei-lhe uma caixa de bombons, e a confecção do presente foi disputada pelas duas vendedoras do supermercado. "É para o Quintana!", repetiam emocionadas. Carinho também distribuído diariamente pelas três mulheres que cuidam diariamente do poeta, a secretária Mara, a sobrinha Elena, Sandra. "Não me casei, mas arrumei essas três moças que me dão um trabalho danado", brincou Quintana, apresentando-as.




O senhor crê na reencarnação? — Pois eu não sei, sabe? Eu acho felizes os que têm crenças religiosas. Acontece que eu só tenho dúvidas religiosas. O que vai se fazer, né?

O que o sr. acha do fanatismo? — O fanatismo é incompatível com a inteligência.

Como o sr. vê São Francisco de Assis? — São Francisco de Assis? Irmão isso... irmão aquilo? Ah... mas ele só gostava dos bichinhos bonitinhos. Porque ele não falou dos irmãos vermes que pululam às cargas, em outras coisas horrorosas? Na irmãzinha aranha... na irmãzinha jararaca... Só falou nas coisas bonitinhas. Ah, não...

Voltando ao seu trabalho, o senhor recebeu algum incentivo familiar em relação à sua vocação de poeta? — Ah... muito. O meu irmão Milton e minha irmã Marieta, que eram os meus irmãos mais velhos, eles gostavam muito de poesia, colecionavam poesias, leram os meus primeiros poemas, me ajudaram a escolher coisas para o meu primeiro livro, enfim, minha família me ajudou muito.

Como foi seu primeiro contato com a poesia? — Eu acho que a gente nasce com isso. Lá pelas tantas eu comecei a fazer uma coisa que julgava que era um poema. Com o tempo eles foram ficando poemas mesmo.


Na sua opinião, foi bom que as escolas literárias tivessem acabado? — Mas é claro... embarcar numa escola literária é o mesmo que entrar num mesmo barco. Quando o barco afunda, vai todo mundo pra cova.

 Há na capa de um de seus livros um retrato de um quadro de Vincent van Gogh. Como vê a obra deste pintor?
— É o meu pintor predileto. Não preciso explicar o que é que eu sinto... com certeza há alguma coisa dele em mim, e alguma coisa de mim nele. O amor não se explica.

A televisão contribuiu para que as pessoas lessem menos? — Contribuiu. E acho uma coisa horrível, porque antes a gente não tinha o que fazer e lia, não é?... agora todo mundo está olhando novela na tevê. Eu, por exemplo, tenho o máximo de cuidado de não telefonar para as donas de casa na hora da novela...

Dentro do pensamento brasileiro, como vê Alceu Amoroso Lima? — O Alceu Amoroso Lima, antes de tudo, era o meu grande amigo e falo também no Gilberto Freyre. Acho dois velhos admiráveis. Eu desejaria ser um velho como eles... velhos que estão sempre presentes na vida atual, sempre estiveram presentesŠ eles são sempre contemporâneos.

Neste ano do centenário da abolição, como vê o preconceito na mentalidade e atitude do nosso povo? — Eu nunca tive preconceito. E para todos nós, pelo menos na minha geração, tem uma negra velha que nos contava estórias, que nos ajudou a criar, de maneira que todos nós tivemos uma mãe preta... pelo menos na minha geração...

Eu queria fazer uma última pergunta. Como o senhor vê essa ausência de ideais que tanto caracteriza a atual geração? — Mas eu acho que notar a ausência de ideais — é um sinal de que não está tudo morto, não é? Se não, não se notaria nada...


SEGUNDA PARTE


Sem medo da morte, Mário Quintana comemora o próprio vigor, anunciando novas obras, entre elas quatro livros infantis.


Por HERMES RODRIGUES NERY

E o que me diz da esperança? — A esperança? Olha...eu sempre digo uma coisa, que o primeiro ditado está errado. O ditado diz que, enquanto há vida, há esperança. Eu digo que enquanto há esperança há vida. Porque nunca foi encontrada em nenhuma parte do mundo, num bolso de um suicida, um bilhete de loteria que fosse correr no dia seguinte. Ele esperaria, ao menos, para comprar o revólver de ouro.

Já que falou em suicídio, o que leva muitos artistas ao suicídio? O que o sr. pensa sobre o suicídio? — Eu não posso dizer, porque eu nunca tive coragem de me matar.

Mas alguma vez pensou em se matar? — A gente sempre pensa em se matar, mas não se mata. Eu tenho notado que os que pensam ou os que falam em se matar, nunca se matam. Os suicidas que eu conheci nunca falaram em se matar. Para mim foi sempre a maior surpresa. O que se há de fazer?


Santa Tereza D'Ávila alertou-deveríamos tomar cuidado ao tentarmos nos livrar de nossos demônios para que não perdêssemos, junto com eles, os nossos anjos... — Esta é muito boa da Santa Tereza. Esta eu não conhecia.

O ideal, continua ela, é aprender a dominá-los e a conviver com eles. O que o sr. pensa a respeito disso? — Pra não perdê-los todos? Bem... Vamos botar isso nos planos, digamos da nossa mitologia atual. É o caso do dr. Jekill e Mr. Hyde, não é? "O Médico e o Monstro", quer dizer, o doutor Jekill... o meu doutor Jekill convive perfeitamente com o meu Mr. Hyde. Um não é inimigo do outro, como naquela história.


Como se dá este convívio? — Como conviviam? Ah... um tinha raiva do outro. O doutor Jekill odiava o Mr. Hyde. Já o meu doutor Jekill e o meu Mr. Hyde são amigos. Aí e que está a coisa assustadora... Eles são amigos. Vão pra farra juntos. Você viu o que é que eles fazem? Não compreendo bem, mas é isto. Não há esta luta propriamente. O que há nesta convivência é a aceitação um do outro.

A felicidade, talvez? Dizem que esta reside na infância, a sua foi boa? — A minha infância foi muito boa. No tempo em que eu era guri, Papai Noel ainda não tinha invadido o Brasil, quem botava as coisas no sapato da gente, no Dia de Reis, era o Menino Jesus. Os acontecimentos felizes da minha infância? Três sapatinhos... Os infelizes? Eu não sei, eu sempre digo que é o adulto que inventa a infância, e a invenção é que é feliz, a infância em si não pode ser tão boa.

E quando se fala em ser sempre criança? — Mas é preciso não perder nunca a criança que se tem dentro de si.


Este é o ideal? — É. A gente deve sempre conservar aquela disponibilidade, aquela curiosidade pela vida que as crianças têm. Um adulto que se 'adultiza' demais... bah! Não tem curiosidade, não tem aceitação para tudo que as crianças têm. E, antes de tudo, a curiosidade: o mais triste da vida é alguém perder a curiosidade pela própria vida.

O senhor foi um menino tímido, travesso, um 'enfant terrible?' — Sempre fui um menino tímido, algumas travessuras-mas é melhor não aprofundar os aspectos negativos... Fui um menino muito doente, a única coisa que eu fazia era, quando me confessava, inventar pecados para contentar o padre confessor.

E a escola? — Olha, para mim as crianças até os sete anos são muito inteligentes; depois, os professores, em vez de transformar as crianças em bons adultos, ao invés de 'adultizar', adulteram-nas, sabe como é? Estragam tudo.

Não é uma boa instituição, deveria desaparecer? — E claro que ela deve existir, a gente não deve deixar crescer um ser livremente, é capaz de virar tudo bandido.

O senhor traduziu Proust, Voltaire. Como foi seu contato inicial com a língua francesa? — Minha mãe lecionava francês, aprendi com meus pais, naquele tempo todo mundo falava francês, fazia parte da educação das moças: estudar piano, estudar pintura e falar francês. Acho uma coisa muito engraçada. Eu me lembro que, quando houve uma revolução lá em Alegrete, foi feita quase toda em francês — as senhoras iam visitar as madames e se comunicavam em francês para os criados não saberem o que é que se estava tramando.

Francês e Latim saíram do currículo das escolas. Isso empobrece culturalmente o aluno de hoje? — O latim nunca fez parte do meu currículo-eu fui educado no Colégio Militar de Porto Alegre, uma escola fundada pelos militares que eram positivistas e não queriam saber de nada que cheirasse a padre... Mas retirar o francês foi a maior injustiça, o francês era o veículo literário do mundo naquele tempo, e até há pouco tempo. E nós devemos muito ao conde de Belchior de Vogué, que traduziu os russos-se os russos não tivessem sido traduzidos para o francês nós desconheceríamos Dostoiévski até hoje. O que é desconhecer uma terça parte da alma humana. Porque a alma humana está dividida em três partes, uma em Shakespeare, outra na Bíblia, outra em Dostoiévski. Pelo menos para mim.

 Dentre os poetas franceses quais os que mais admira? — A gente sempre admira o que mais se parece com a gente, não é? O que mais se parece comigo ou com quem mais eu me pareço foi Guilhaume Appollinaire, e outro que a gente não pode deixar de admirar é o mestre dos simbolistas, o Verlaine. Os outros são discípulos, seguidores, continuadores...

Como tradutor, como vê esta profissão? — Eu acho uma coisa de grande responsabilidade. Porque eu creio que a tradução de um poeta para a nossa língua é nada mais, nada menos, que a estréia deste poeta na literatura brasileira. De maneira que é uma enorme responsabilidade. Olha que eu traduzi Proust e que não é brinquedo. E traduzi Voltaire, traduzi Merimée, traduzi esta gente assim.

E como foi traduzir Proust? — Foi uma coisa horrível. Mas eu gostei, exatamente por causa da dificuldade. A dificuldade é uma coisa que pode cansar, mas é o mesmo que a ginástica, faz bem.

Mudando de assunto, dizem que o cigarro faz mal. O que o sr. com 82 anos, e que sempre fumou, diz deste saber popular? — O cigarro não faz mal nenhum. Eu digo por conta própria. Porque eu comecei a fumar aos 14 anos e até os 81 não tinha morrido, tá? Acontece que aos 81 anos eu estava muito magro, eu estava com o esqueleto do lado de fora, sabe como é?... Contava as costelas, então, por uma medida de precaução, para não embarcar tão cedo, eu deixei de fumar. E me dou muito bem não fumando. De maneira que o cigarro...(pausa)...ah ...há gente que chegou aos 90 anos tendo fumado toda a vida e gente que morre aos 90 anos e nunca fumou. A coisa é muito relativa.

Conte-nos de sua viagem ao Rio de Janeiro, aos 24 anos, quando passou seis meses como voluntário no 7º Batalhão de Caçadores. — Eu passei lá seis meses, lá pelas tantas pedi demissão. Passei seis meses me divertindo...me divertindo muito...

Qual sistema de governo mais lhe agrada? — Eu sempre fui monarquista.

Recentemente houve uma discussão na Constituinte em torno da possibilidade de retorno da Monarquia no Brasil... — Mas haverá antes um plebiscito...

Qual a vantagem que vê na monarquia? — Os eleitores estão cansados de tantos quatriênios desperdiçados. O primeiro ano do quatriênio é em acomodações políticas, e o último ano do quatriênio é em outros ajeitamentos políticos. De maneira que só sobram dois e não dá pra fazer nada. Já vi revoluções no Brasil que na metade da luta o governo acabava aderindo, quer dizer... fica tudo impuro. Agora, a monarquia tem o rei lá que reina, mas não governa, mas fica. Pode o primeiroministro cair, ou o povo mudar de opinião à vontade... que isso não adianta nada... fica tudo firme...

Qual o presidente da República que o senhor achou mais interessante no Brasil? — Eu sempre achei o Getúlio Vargas um grande estadista.

Como vê a era de Vargas? — O Vargas... O Getúlio Vargas fez o Estado Novo porque ele não acreditava no povo, na opinião pública... então fez o Estado Novo, mas fez também muita coisa boa... muita coisa boa, de maneira que o povo gostava dele e quando ele voltou ao governo foi pelo voto do povo, que deu um brilhante desmentido naquele que não acreditava no povo.

E o que o sr. me diz da grande guerra? — Da guerra? Mas é claro que houve um impacto da guerra. Todos nós ficamos com medo que o Hitler ganhasse, é claro... e eu, mais ainda, porque devido a minha vasta cultura francesa, eu sei pouco de geografia. Quando invadiram Pearl Harbour, eu pensei que Pearl Harbour ficasse no Atlântico e fiquei assustado, e pensei: estamos perdidos. Depois eu soube que ficava do outro lado do mundo, lá no Oceano Pacífico (ri).

Como sente uma verdadeira amizade e um verdadeiro sentimento de amor? — Olha... eu acho que a amizade é uma espécie de amor que nunca morre... e o amor é uma coisa que todo mundo sente, todo mundo tem... é uma das molas da vida, independente da sua realização. Basta estar amando. Afinal de contas, eu acho que há duas molas na vida: o amor e o ódio. E preciso estar sempre amando alguma coisa e sempre odiando alguma coisa para dar valor à vida. O próprio Cristo, que pregou o amor, foi implacável quando expulsou os vendilhões do Templo. Aquilo foi a cólera de Cristo.



Hermes Rodrigues Nery é professor de História e foi colaborador do Caderno de Sábado do Jornal da Tarde.

Das utopias

    Se as coisas são inatingíveis... ora !
 Não é motivo para não querê-las
     Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas.

(Mário Quintana)



Das ilusões

    Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o
   Com ele ia subindo a ladeira da vida.
          E, no entanto, após cada ilusão perdida...
      Que extraordinária sensação de alívio

    (Mário Quintana)



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Dama das letras (P/ Janete do Carmo)

                                          Oh! Doce senhora
                                          que agora é estrela.
                                          Simples seria
                                          se o mundo fosse
                                          teus poemas.

                                          Amáveis versos gentis
                                          de imensas asas abertas.
                                          Talhados com delicadeza,
                                          ornados de rara beleza,
                                          palavras de alma inteira.

                                          E agora do alto avistas
                                          flores, pássaros e casais
                                         que ficaram a contemplar
                                         tuas letras silenciosas
                                         dentro do breu.

                                         Teus poemas me sorriem,
                                         falam-me de você,
                                         contam-me teus segredos.
                                         Revelam-me que agora és
                                         um anjo chamado poesia.

                                        Thiago Cardoso Sepriano

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Entre Reviravoltas

Fecho os olhos e me fecho
me calo e nem percebo
calma vem mas me entresteço
sinto a alma ao passado preso,
um suspiro vem mais do fundo
e as palavras dominam tudo
o coração abala bate forte o pulso
e meu eu mais escondido se liberta para o mundo,
em minha volta gira pensamentos que me toca
meche com meus sentidos e se choca
com o vai e vem de dúvidas expostas
fundindo oque há dentro com oque há fora,
entre reviravoltas e descados
entre desilusões e acasos
meu ser vai seguindo com um só passo
entre trilhas divididas a fatos
descobrindo a cada instante
a verdadeira razão de ser liberto
a um eterno laço
coração em pedaços únicos rastros.

(Guilherme Góes)

UM POEMA QUE EU CHAMO DE MEU

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
seja eu tua pequenina
e de todos, a tua sina,
no momento derradeiro,
sejas tu imolado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
que seja a minha negação
e que toda aceitação
se transforme por inteiro
em tu, sacrificado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
que seja a minha delícia
pregada no cruzeiro
como tu, por ter pecado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
que seja minha delícia
e que toda a malícia
pregada no cruzeiro
como tu por ter pecado.

oh, cordeiro,
posto que tu, do meu lado,
tenha eu a capacidade
de ter de ti a verdade
que brilha como um luzeiro
e seja tu sacramentado.

(Eli Silva)

querida

não fico calado
a te querer bem,
se tens namorado,
amante, ou, ninguém;
teus cantos eu rondo,
sombrio, sorrateiro,
porém, não me escondo-
revelo-me inteiro:
a máscara tiro
e o doce mistério
traduzo em suspiros...
é tudo o que quero-
morrer do prazer
(quem dera), de nós,
na morte perene
que tem vida após.


rodolfo tokimatsu

Beijo celeste

Atravesso a rua
Vou até a lua
nessa ânsia louca
de beijar-te a boca.
Sigo em febre contínua
ao sentir estrelas
na ponta da língua.
No céu da tua boca,
as palavras mais loucas
se unem em versos
do nosso universo.

Thiago Cardoso Sepriano

O AMOR

O amor é tudo
Belo, pleno, absoluto
O amor é fruto
Do tempo, do carinho, do absurdo.

O amor é paixão
Loucura, fissura, emoção
O amor é alegria
Sorriso, toque, euforia.

O amor é saudade
Lembranças, toque, serenidade
O amor é companheiro
Cúmplice, amigo verdadeiro

O amor é fraterno
Romântico, sublime . . . eterno!
 
(Quel)

VAPORIZAÇÃO

Que metamorfose !
Minhas poucas gotas de alegria
Tornaram-se nuvens de saudade.

(Fabiana Mira)

O ESNOBE

Sei muito mais que tu
Sei até o que não sei
Até o que não deveria saber
O que não poderia saber
Sei mais que Einstein
Que um neurônio
Mais que o próprio saber
Sei tanto, mas tanto
Que me falta tudo
E me resta nada
Para enfim, saber.

(Fabiana Mira)

Sopro

Tola ilusão é a vida...
Triste cantilena orquestrada
ao som do vento.
Folha que vaga aflita
no afã de sonho ou alento.
Traspassa o tempo e o impossível,
tornando-se algo invisível.

Thiago Cardoso Sepriano