quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Contra moinhos de vento

Em tempos longínquos imperados pelo poder das espadas,
A consagrar cavaleiros vitoriosos à custa do sangue derramado,
Diante de infinitas batalhas travadas por razões obscuras,
Pelo fútil egoísmo em medir a força de vaidosos guerreiros,
Ambiciosos pela ilusão do poder sobre os outros homens,
Numa imperceptível diferença entre todas as eras da evolução.
Seguindo caminhos por léguas distantes, aqui estou,
Cavaleiro andante, um herói às avessas tachado de louco,
Louco por acreditar e perseguir ideais impossíveis,
Enfrentando temíveis dragões por entre montanhas e abismos,
De onde os tolos vêem apenas moinhos de vento.

Enxergo muito além do que meus olhos podem ver,
Resgatando a beleza oculta em que tantos vêem ruínas.
Não temo o impossível, e vivo a tentar decifrá-lo,
O considero apenas uma palavra que aguarda tradução,
Usada pelos fracos para diminuir o tamanho de suas derrotas.
Creio na pureza e simplicidade do amor verdadeiro,
Ainda que meu coração tenha sido tantas vezes golpeado.
Não creio na existência de um desejo impossível,
Existem apenas pessoas incapazes de lutar por aquilo que sonham.
A verdadeira derrota não está na queda, está na recusa em levantar-se.

Jamais me entrego sem lutar e alcançar meu último limite,
Como um pássaro que voa até o extremo da imensidão do céu.
Firmei incontáveis passos até este solo onde estou,
Desafiando a força de grandiosos e astutos inimigos,
Até descobrir o mais perigoso de meus adversários,
Invisível e traiçoeiro, eis frente a mim meu próprio ego,
Criador de tentações tão avassaladoras como redemoinhos.
Sempre mantive meu olhar voltado à linha do horizonte,
Trilhando pedras e espinhos na eterna procura pela felicidade,
Até descobri-la dentro de mim, nas lacunas do meu coração.

Marlon Alves – 25 de Janeiro de 2011.

PARA ALÉM DO “AMOR QUE FICA”

... sou alguns, não poucos, dentre estes, alguém vário e sozinho
para quem a poesia é também fonte de infelicidade
apesar de me proporcionar fisiologicamente
um pouco de conforto, pois quando estou escrevendo
sinto um alívio muito parecido com aquele
que a gente sente esvaziando a bexiga
(de pau mole, obviamente, haja vista
que mijar de pau duro, além de complicado
é incômodo p'ra caralho)...

Dizer, agora, que, ao escrever, estou a fazer
minha própria análise (e estou mesmo)
é algo que me dissolve, esferografica, metamorfoseia
uma vez que me metamorfosear em tinta me vernacula,
liquefaz e paradoxalmente me concretiza,
mas não não não me resolve nem exorcisa...

Não obstante, não me dessabora saber
que, sendo, que autoconhecendo-nos
pelo menos deixamos
(eu e meus arquétipos) de ser
uma questão para ser resolvida por Shakespeare
e que Freud, feliz ou infelizmente,
não nos explica, haja vista que ele – Freud –
entendia muito era do “amor que fica”,
amor este, que, segundo Chico Buarque “é amor de pica”...


(José Lindomar Cabral)

"Outrora fostes radiante"

Folhas secas caem
sobre o vento frio e brando
castigadas pelo tempo
secas de sentimento
seu grito se ouve ecoar
na velha praça ao relento
castigadas pelos pés
de um certo desatento
lágrimas secas molham
o velho banco dos lamentos
na antiga praça dos bohemios
gotas de um passado
em um choro presente
secam ao tocar a face
estendida na terra quente
marcas que viram feridas
que exalam solidão
lamento na velha praça
folhas secas aglomeradas
ao chão...

(João Lourenço)

FILHO BASTARDO

02/11/01

É este meu corpo um vasto universo
onde reinos microscópicos se levantam
no meu sangue habitam não sei quantos
nos meus ossos número igual de origens diversos

Mesmo morto é este corpo um paraíso fértil
onde vermes proliferam aos milhares
são filhos bastardos dos corpos que se desfazem
progênie hedionda de um pai estéril

Assim carregam nossos universos em caixões
cárceres lúgubres aptos a expansões
gerando vida apesar de morto
No pasto fértil a qual chamamos corpo!

(Gokulesvara)

FRAGMENTOS DO TEMPO

Muitos comparam o tempo com um livro
ao qual viramos uma página a cada dia,
nada mais irreal, absurdo difícil de aceitar,
pois cabe ao tempo pro homem se acabar
e nunca mais, o que foi hoje, amanhã será.
Enquanto que um livro lê-se hoje o amanhã
e amanhã, o hoje pode ser relido...
... Exige a arte tanto do fiel, como do criador
o máximo que a vida nos permite,
sonhos, dedicação, observação e equilíbrio
é um livro muito delicado e comprido
e que agora ajudamos a ser composto;
mas não serão seus capítulos relidos
pois passou-se o tempo, e o tempo esvaído
não há de ser reconquistado, como se
fossem as simples páginas de um mísero livro
e sim acabar-se-á com a morte do herói,
ou a derrota do perverso inimigo!
São nossas nefastas vidas, exóticos livros
apócrifos, proscritos, pervertidos e ilusórios,
são fragmentos do tempo, que passa incisivo,
derrubando muralhas, alagando desertos
fazendo ecoar sua fúria nos mais
longínquos infernos,
e ele nunca recua, e com seu avanço
avança a nossa ruína,
é nosso corpo apodrecendo numa esquina
e nossa alma num leilão sendo vendida,
O preço?
Dê o que resta na sua bolsa,
suas canetas, seus cadernos e seus livros
uma boa história, ou uma estrondosa mentira!

(Gokulesvara)

PASSADO PELO INFERNO

Olho para a poesia de Rimbaud
com admiração moderada
e enxergo nela a poesia
(e não A Poesia)
fulgurante de um garoto interrompido
(e não de um deus)
que foi visitado pelo inferno
numa idade
em que os outros garotos
de sua geração achada
ainda não sabiam direito
de que lado - se à direita ou a esquerda
do ilíaco- deveriam pendurar o pênis,
dilema este que me levou prematuramente
aos onze anos a passar
uma temporada no mundo subterrâneo
ou melhor, digamos assim
foi o inferno
que passou uma temporada em mim...


(José Lindomar Cabral)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

SE EU FOSSE FILHO DE OSÍRIS

... se eu fosse, Osíris, seu filho
(que Deus me livre, guarde e defenda)
eu cortaria seu falo descomunal
e considerado esotericamente sagrado
e o atiraria aos homens da mais exímia e musical
das corrocinhas, que é aquela que costuma
pegar "3 cahorros de uma vez"
para que assim a miséria fosse tirada
da barriga dos cães, antes que deles
alguém exclamasse: Tem pêlo de cão nesse sabão!...


(José Lindomar Cabral)

GRITE

... toda vez que a inevitável, porquanto fisiológica
necessidade de escrever um poema faz com que,
desinspirado,
me achegue a essa espécie eufêmica de cama
que os incautos dos poetas pseudo denominam
de escrivaninha, sem nem sequer está ainda
sendo bolinado por um tema, invariavelmente
(embora invariavelmente nem sempre)
sou visitado
pela acordada - apesar de onírica - impressão
de que a virgem e feminima folha de papel
em geral A4, já de pernas nervosamente abertas
olha para minha nudez, esbugalha os olhos,
empalidece e diz: Devagar, Lindomar, senão eu grito...


(José Lindomar Cabral)

Violácea Nebulae

Onde não se pode ouvir o som que fazem as estrelas
Mas onde se pode sentir o tom que vem do coração
O sentido uníssono nos prende ao mais puro dom
Seguimos com desejo de nos unir ao bom.

Sem angústias, movido pelos meus desejos de criança
Vago pelos limites de onde o homem não ousou ir
A nebulosa violácea me convida para um passeio
A passagem de uma estrela cadente aumenta meu anseio.

Como em um berro de um recém-nascido bebê estrelar
Ecoa no cosmos, a mais pura energia que pude perceber
Uma complexa sinfonia sideral chama minha atenção
Satélites e asteróides com força, arrastam-me a ver.

Perduro com exatidão buscando corrigir minha imperfeição.
Luna e Solaris convincentes, se arriscam num palpite:
Olhe ao redor de seus desejos mais ocultos e logo verá
Ao nascer da última estrela marcada, perfeito você estará.

(Sandra Vaz de Faria e Rafael Jankovits de Oliveira)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

CARAMINHOLAS

Minha insistência em descer é a essência do meu mal,
não encontrando coerência no que me enreda, mas
tão-somente na cicuta, benévola às minhas aspirações,
às minhas esperanças em cinzeiros, recheadas de homens
e mulheres petrificados, ao redor de uma foz turva,
enchendo-me de socos e porradas, sorrindo às crenças
de outrora, de alfarrábios vindo em século vil, de uma fé
feita do que foi senhora e do que goza ao podre, à frente
do que é cosido em bestialização, deteriorando manhãs
na solidificação das sezões de duas cabeças. Embora insista
ao esgoto e às ratazanas, prefiro a chuva, sonhar quimeras
alheias, rasurar cancros em paredes, sem oferendas a oferecer,
sem a cobrança de dízimos santificados, mas apenas sonhar,
já que mortificado estou sob este telhado de fardos, sustentado
por pilares de desconhecidos, na persuasão dos eloquentes.
Nessa sisudez me admito, e para quê sorrir? Para fingir
auto-ajuda? Arre! Sorriam para mim os apodrecidos pelos contratos
e paradigmas, os leprosos e cancerígenos, pois é o que somos
caro poeta, caro misantropo, somos as vísceras dos humanos vazios
e abastados do tudo que é nada.

(Anderson Costa)

Sortilégio

Quantas mais doidas faces
adentrarem meus nervos
a dizerem-me “marche”!,
mais longe de mim mesmo
entoarei sons acres
no lembrar de um beijo,

às penhoras das fisionomias
e do esboço sem perfil,
às mais roucas viuvinhas
de um fígado sem til,
ou a bênção das madrinhas
como enfeite feito vil.

Embora às unhas das senhoras
me asseio em dossiês,
ainda há alcunhas novas
entre as regras dos porquês,
misericórdia de umas bossas,
sortilégio do que crer,

das datas de algum lirismo,
de Dante ao verso machadiano
ressurjo no solar dos ímpios,
nascendo lavra de gadanho,
lacaio dum pobre distinto,
às laias tuas me apanho.

(Anderson Costa)

Bichos de Asas

 Nós somos os homens sujos
Os vira-latas de rua
Os seres iluminados
Refletindo a luz da lua
Somos os anjos caidos
Vagando de bar em bar
Somos animais perdidos
Estamos longe do lar
Nós somos gente sem casa
Nós somos bichos de asas
E precisamos voar
Temos habitos noturnos
Não somos coisa que preste
Somos o dragão celeste
Ferido por uma lança
Ainda somos crianças
Mas somos seres do ar
Carregados pelo vento
Somos frágeis sonhadores
Suportamos nossas dores
E tormentos
Calados
Nós estamos estragados
Por dentro
E até cheiramos mal
Nós somos homens guiados
Pelo instinto animal
E por nossos sentimentos.

(Cleiton)

PASSAPORTE PARA A ETERNIDADE

... eu também, Kundera,
além de ser interiormente
um ser leve e insustentável,
tenho adquirido meu “passaporte
para a eternidade - os arquivos da polícia”...


(José Lindomar Cabral)

Gramática do mal

Palavras são sinceras
Quando sentimento se torna
Rarefeito n’atmosfera
Da vida que a alma forja

Verbos castigando
Em noites frias
Sempre flexionando
Esta vil melancolia

Substantivo não há que possa
Nomear importuna dor
Que sempre ao romper d’aurora
Planta urtiga invés de flor

Adjetivado o caos se expande
Energicamente caótico
Quando advérbios de sangue
Se tornam psicotrópicos
 
(Wagner Guimarães) 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Distraídos Venceremos (Paulo Leminski)


Distraídos Venceremos, publicado em 1987, é um livro de poesia de Paulo Leminski.
O livro é dividido em três capítulos. O primeiro leva o nome do livro, “Distraídos Venceremos”, e inclui grande parte dos poemas da edição, principalmente os metapoemas, ou seja, poemas em que a temática é o próprio poema. No segundo capítulo, “Ais ou menos”, Leminski apresenta versos de vida, espaço e tempo, falando sobre as coisas que sobrevoaram o ar dos seus dias, que se misturaram à poeira do chão de sua casa. Em “Kawa Cauim”, última seção do livro, o poeta apresenta uma série de haicais.


Artigo extraído do site Wikipédia.

A Lua no Cinema


A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!

(Paulo Leminski)



DESENCONTRÁRIOS


Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.


(Paulo Leminski)


ALÉM ALMA
(UMA GRAMA DEPOIS)

Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?
Mais me parece um relógio
que acaba de enlouquecer.
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?

(Paulo Leminski)



Download do livro: