sábado, 23 de abril de 2011

ODE AO BOM HUMOUR DE MEU FÍGADO

... às vezes sou acordado de madrugada
pelas palavras excitadas e, preliminarmente,
me excitando, apalpando-me com suas cálidas
e ainda não modeladas mãos de vento,
querendo a todo custo fazer comigo algo
que se fosse no tempo em que o verbo sangrava,
ou melhor, não tinha voltado de novo a ser verbo,
seria chamado explícita e literalmente sexo...

E como já estou cansado de saber que não adianta
dizer que elas – as palavras – tenham santa paciência
porque o dia ainda está longe de amanhecer,
levanto-me, resignado, em geral com vontade de mijar
e, portanto, com o pau por acolá,
mas me dirijo primeiro à escrivaninha
(já que no meu caso escrever é uma necessidade fisiológica
mais urgente do que aliviar a bexiga, por exemplo)
e me ponho a fazer aquilo que se fosse na época
em que o verbo ainda era carne, chamar-se-ia foder
em vez de chamar-se escrever...

E, então, escrevo... escrevo... escrevo... escrevo... escrevo...
... até que meu fígado (dilacerado e bilioso) mas sempre
de bem com o humour, advirta visceralmente a caneta:
Pare, seu abutre esfomeado de uma figa!... Senão quando
a hora do almoço chegar, você vai ter apenas rins endurecidos
e algumas pedras (diz-se, cálculos renais) para beliscar...


José Lindomar Cabral

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